Um amigo de outros carnavais.

Foram duros para mim os tempos de adolescência. Feridas na alma num tempo emocionalmente árido, povoado de medo, ansiedade, dúvidas profundas e rejeição. Muito pouco guardei daquela época do riso solto, da vontade satisfeita, da energia exuberante, da doçura da primavera. Antes, marcou-me aquela época o resfriado constante, perene, o cuidado com os cabelos molhados, o lenço na mão pelo sufocar cotidiano de um tempo sem brilho, esperança e paixão.

Poucos amigos. Aliás, até da sinceridade das amizades eu nutria dúvidas.

Mas o Waldir era especial. Ele e o Gilberto, inseparáveis, bem humorados. Jamais senti neles qualquer manifestação de malícia; antes, um humor inocente, sem grandes intenções, muita criatividade e interesse pelo teatro. Principalmente o Waldir.

Era um rapaz da altura de um jogador de basquete. Ele e o Gilberto frequentavam a minha casa para conversas recheadas de risadas macias na sala de visitas e jamais nos desentendemos.

E a vida nos separa. Invariavelmente. Nunca cheguei a sentir falta deles e, acredito, nem eles de mim. Foi simples assim: um momento bom, de exercício da juventude, sem se falar mal dos colegas e professores. Muitos risos e algumas reflexões filosóficas já demonstravam uma tentativa de amadurecimento emocional. Uma passagem fundamental para o meu crescimento um pouco mais sadio como pessoa. Foi muito interessante, intenso e pronto!

Navegando por aqui sempre me lembro de pessoas importantes que passaram pela minha vida. Procurei pelo nome do Waldir algumas vezes, gostaria de saber dele, se está bem, o que fez da vida, se alguns dos projetos que me falava deram certo. Gostaria de clicar em “imagens” e ver como ele estaria hoje, passado quase meio século.

Nada. Nenhuma notícia. Nem sombra.

Com medo, resolvi arriscar e procurei por ele no Cadastro Nacional de Falecidos. Waldir, infelizmente te encontrei ali e descobri que você partiu apenas com 37 anos de idade. Olhei com carinho e tentativa de distanciamento para o seu nome completo... e não tive dúvidas.

As memórias rapidamente se afloraram e vi você, nós, ainda tão jovens, nos divertindo em conversas fiadas e planejando o futuro. Você, por exemplo, queria se casar cedo e sei que se casou mesmo, lá no Ipiranga.

Faz tempo que você se foi, Waldir, e eu nem sei se o Gilberto ficou sabendo. As relações eram intensas mas se esvaíam como flores de outono.

Fiquei muito, muito triste ao perceber o seu nome ali. Eu jamais quis fazer essa visita. Mas saiba que você me ajudou muito a sorrir, a não ter medo de exercitar o gosto pelo teatro, a ousar alguns ensaios, me ajudou também e muito a esquecer, por algumas horas de bate papo na sala de casa, a tragédia da vida do meu pai.

Você foi um grande amigo. Que os céus tenham te recebido com carinho e com olhar bondoso, com a mesma doçura com que você viveu... tão pouco, mas intensamente.

Siga em paz, meu amigo Waldir.

Um dia haveremos de nos encontrar e rir muito, como naquela sala pequena do sobrado do bairro operário do Cambuci.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 06/07/2018
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