ESCLARECENDO SOBRE ESCLARECIDOS

Dias atrás li em algum lugar, que não me vem à memória, neste momento, um tipo de manifesto, em que um cidadão filosofava sobre o momento político e social que atravessamos, dizendo algo como: “ Nós, os esclarecidos, temos de agir, tomar as rédeas, porque o povo, a grande maioria da população, é composta de gente ignorante, que segue qualquer picareta que prometa isso e aquilo, fale, aparentemente, bonito, tome, teoricamente, as dores dos pobres, e crie algum tipo de empatia. Temos o dever de não deixar tais picaretas assumirem o poder.”

A partir dessas palavras, que me calaram fundo n’alma, resolvi refletir e escrever:

- Talvez não se possa dizer que a maioria da população entenda tudo que acontece, e é bem verdade que o povo brasileiro, também em sua maioria, ignora muita coisa, mas ao contrário do que se possa, inicialmente, pensar, não só os analfabetos, os que tiveram pouco estudo, os pobres e deserdados da fortuna, ignoram muito do que nos acontece. Para entender todos os escaninhos desse poder corrupto, criminoso e quadrilheiro, é preciso muita ginástica mental e meios investigativos intensos, porque quase nada é feito às claras. Tenho visto intelectuais e acadêmicos arrancando os cabelos para entender e dar sentido a tanta pataquada ilegal.

- Por outro lado, se temos uma pátria inculta, em sua grande maioria, e até desinteressada do saber, da leitura, da informação estrutural básica, os grandes culpados foram os “esclarecidos”, sempre, que tinham e têm o dever de encaminhar seus iguais, menos favorecidos, em direção ao que necessitam, prioritariamente, ou seja, educação. No entanto, desde que este país foi descoberto, há quinhentos e poucos anos, desde que se tornou independente, há quase duzentos anos, desde que virou república, há pouco mais de cem anos, desde que retornou ao regime democrático, há pouco mais de trinta anos, nunca houve real e profunda preocupação, de qualquer governo, de direita, esquerda ou centro, em educar, pra valer, o povo. É claro que tivemos programas de alfabetização, mas além de serem tímidos, não é a eles que me refiro, pois o que as pessoas precisam é de instrução consistente, abrangente, continuada, de modo que entendam quem são, que direitos possuem, como tudo funciona e quais os caminhos.

- Governo que se preocupa em mostrar obras, dar crédito ao povo, facilitar acesso a estudo, sem a contrapartida da preparação básica da mente do cidadão, da assistência social à sua família (adequada), da assistência médica, odontológica e funeral decentes, da equiparação de direitos trabalhistas com “todas” as classes (incluindo judiciário, militares, políticos, funcionários públicos) moradia segura e paz social, só criará, como já criou, profissionais desqualificados, gente endividada e desregramento de todo tipo. Esse é um caminho errado.

Picaretas interesseiros e “gente esclarecida”, geralmente se une em torno de objetivos pouco patrióticos. Ouço muita coisa, mas nada que se pareça com o que citei. Vejo críticas e denúncias, acusações e ameaças, depoimentos e reportagens, que se pretendem instrutivas, mas sempre se baseiam em fontes e bases unilaterais, pontos de vista, citações de pessoas simpatizantes, livros, trabalhos e textos engajados, mas ninguém, ninguém mesmo, constrói o caminho de refazimento da nação, onde mais pode interessar. Preocupam-se com empresas, com poder, com justiça, com composição política, prometendo voz ao povo, fazer os pobres ter mais vez, dar terra, casa e condições financeiras para todos, mas não dizem como vão fazê-lo, porque não sabem. O país está quase falido, mas não de hoje. Enquanto, no começo dos anos dois mil, o mundo surfava em ondas de prosperidade, fomos na garupa, e tudo era festa. Havia dinheiro para todo lado e foi fácil agradar, tirar de onde não se podia, fazer todos crerem que o país estava se tornando uma potência, mas quem prestasse atenção, via toda a infraestrutura precária, sem nenhum investimento de porte. Estradas, silos, portos, aeroportos, rede elétrica, esgoto, redes pluviais, telefonia, sistema de comunicação por satélites, forças de segurança, rede de educação, e mais muitos outros pontos nevrálgicos, sem a devida atenção, definhavam à míngua, com algumas exceções, cujos patronos eram simpatizantes do poder. Muitos podiam comprar, viajar, passear, comer bem, fazendo dívidas, percorrendo um país inseguro, cujos dias estavam contados. Depois de alguns anos, após a crise mundial, a bagunça veio à tona.

Todos os governos, todos os esclarecidos, todos os pretendentes ao poder, tenham a mínima decência de pararem de enriquecer, de sugar duas, três ou quatro aposentadorias da pobre nação, de exigirem direitos imorais, mesmo que legais, e pensarem em favorecer quem não tem, em fazer o povo enxergar, claramente, o quão desinteressados nele vocês são.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 07/07/2018
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