MARIDO SEQUESTRADO

A história começa com uma denúncia formal do desaparecimento de Lairson de tal, marido de uma dona de pensão, no bairro do Catete, no Rio. Passado mais de mês dessa ocorrência, a mesma senhora registrava também o desaparecimento de sua filha Beatriz (Bia). Sem qualquer novidade por parte da polícia sobre tais ocorrências, a denunciante reafirmava, então, os dois desaparecimentos como caso de sequestro, com o objetivo de apropriação do caminhão de trabalho de seu marido.

Mobilizou até a imprensa. Deu no jornal A NOTÍCIA sob a manchete: “sequestro em pleno catete”.

Para a empresa proprietária do caminhão nada andava errado. Seu motorista, Lairson, rodava livre, legalmente e cumprindo regularmente suas obrigações. Apenas, preferindo fretes que evitassem o Rio. Contudo, sabendo dessa confusão, decidiu, numa de suas paradas no Rio, ir ao distrito desfazer o imbróglio. Explicou tratar-se de maluquice de sua ex-companheira, tomada por ciúmes, em razão do rompimento da relação.

Eis a razão disso tudo.

Lairson, goiano, fora para o Rio, com 20 anos de idade. Lembrava um grande índio, com cabelos negros lisos e pele amorenada. Do tipo fortão. Longe de ser bobo, acreditava e confiava em suas habilidades para resolver sua vida. Em busca de novas oportunidades, economizou dinheiro, largou o emprego, os parentes e rumou para o Rio. Viajou mais de 24 horas, de ônibus. Pisou em solo carioca na antiga estação rodoviária da Praça Mauá. Perdido – mesmo sem assim se achar - encheu-se de perguntas e coragem para dirigi-las a estranhos: onde dormir? Onde comer? Onde trabalhar?

Assinava o nome e lia coisas simples, sem desenvoltura. Não lhe ajudava muito o fato de ser gago e falar com acentuado sotaque caipira. Até então, seu horizonte, a rigor, não passava de ser motorista de ônibus. Mas, ficaria feliz se chegasse ao admirado motorneiro de bonde, de terno, gravata e boné.

Com seu perfil físico, terminou arranjando emprego como trabalhador braçal na equipe de manutenção de trilhos de bondes. Trabalhava, na maioria das vezes, durante a noite e madrugada para não atrapalhar o tráfego. Operava britadeira, para arrebentar asfalto no serviço de substituição de trilhos. Por indicação de colegas, almoçava prato feito na pensão de dona Neide, que lhe concedera acertar a conta no fim do mês. A pensão ficava num beco da Rua Bento Lisboa, no bairro do Catete. Era um sobrado decaído, mais para pardieiro. Além do fornecimento de refeições, alugava vagas no piso superior. Lairson, também por lá, alugou uma vaga para ficar próximo ao local de trabalho.

Passou a frequentar um curso primário noturno e a ouvir programas de rádio compulsivamente. Melhorou a gagueira, evitava o sotaque caipira e já se vestia menos jeca.

Em menos de ano, não chegou a motorneiro, mas, assumiu funções burocráticas na Light. Passou a almoçar no SAPS do centro da cidade e a jantar na pensão de sempre, onde aproveitava para flertar com Bia,18 anos, filha de dona Neide. Tímido e ainda caipira, contentava-se em curtir o sonho de um dia poder namorá-la, levá-la ao cinema e até casar. Quem sabe?

Deixa estar que dona Neide, viúva, tinha, por sua vez, uma irresistível, mas, recôndita queda pelo goiano. Tratava-o com especial deferência. Reservava-lhe o melhor bife. Preparava-lhe sopa de mocotó, torresmo e galinha no arroz com pequi, sua preferência gastronômica. Puxava assunto sobre Goiás. Mostrava-se desejosa e curiosa para conhecer Goiânia, Goiás Velho, o Rio Araguaia e outros lugares comentados por Lairson, em sua costumeira e descontraída prosa de após jantar.

Isso não podia dar em outra. Lairson desceu do sobrado para compartilhar a mesma cama com Neide. Mas, sua atração por Bia, ainda que disfarçada, acendia uma fogueira em seu coração a cada olhar.

Durou três anos esse concubinato com Neide, mas Lairson nutria forte esperança em esposar Bia. Talvez fugir com ela. Não perdiam oportunidade, longe dos olhares alheios, para trocarem carícias e se derreterem apaixonadamente.

Progrediu em seus estudos. Concluiu o ensino primário e obteve sucesso no “exame de madureza” ao nível ginasial. Enfim, conseguiu obter a tão almejada carteira de motorista, de alcançar seu primeiro horizonte de vida.

Depois de tentar emprego em várias empresas do ramo de transportes, Lairson foi admitido por uma transportadora de mercadorias. Passava dias, semanas, pelas estradas, conhecendo pessoas, lugares, praias e montanhas. Do jeito que sempre sonhara. Não fosse pelo perfume e pela ternura de Bia, nem pensava em voltar à pensão. Neide percebera sua rejeição e desconfiara do amor de Lairson e Bia, principalmente pelos mimos sempre trazidos a ela após cada viagem. Aguentou a amargura enquanto a situação favorecia estar sempre com seu amado. Um dia estourou. Armou o maior barraco.

Lairson e Bia deixaram Neide falando sozinha. Juntaram os panos na boleia do caminhão que dirigia e saíram com promessa de nunca mais voltar.

Não bastasse todas as denúncias feitas por Neide, na última, no desespero, apresentara queixa de sequestro de sua filha Bia, por Lairson.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 08/07/2018
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