Café filosófico

Enquanto tomava café, sentado na cozinha de frente para porta da copa, observava uma mosca que caminhava na janela daquele cômodo, com movimentos robóticos, que nervosos a faziam mudar rapidamente de direção. Talvez a solidão daquele café, talvez alguma substância naquele líquido preto amargo. Não sei. Não estava no Monte das Oliveiras ou em alguma montanha do Tibete ou em Machu Picchu ou no Partenon dedicado à Atenas, deusa grega da sabedoria ou em um templo para Toth, o deus egípcio do conhecimento, o certo é que do alto de uma banqueta comum, sem precisar de uma posição de lótus ou outra posição especial, buscava respostas ou quais perguntas fazer para dar significado para nossa existência. De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido da vida?

Acho que o café deve ter alguma propriedade mágica, pois de repente vi uma fé no imponderável agigantar-se. Tinha para mim que estava alcançando o estado alfa ou outro estado qualquer, onde todas as perguntas seriam respondidas. Todas as questões elucidadas. Nada ficaria sem resolução. Tudo ganharia explicação. O Universo, Deus ou o que quer que você acredite te daria um feedback, nem que seja decifrando o algoritmo dos movimentos de uma mosca no vidro de uma janela. A relatividade da significância da vida, que para alguns rasga o tecido da história de um ser vivente com uma expectativa de uma semana e para outros se arrasta por dezenas de anos sem deixar rastros. A contundência do tempo perdido. A busca pelo transcendental, como se a mosca vislumbrasse outro mundo, mas uma barreira transparente intransponível a deixasse viver só na admiração, mas ela poderia, com seus movimentos elétricos nos ensinar que devemos nos manter em movimento. Contemplação só para moscas mortas ou sujeitas a morrer num tapa do destino. Talvez a mosca tenha esta autoconsciência e seja da sua natureza lutar pela vida. Será que eu tenho esta autoconsciência? Será que estou em movimento buscando algum buraco para ir para o espaço que eu quero e que me pertence, se não por direito, por força da minha vontade? Ou estarei lento, sujeito a uma bofetada destino ou qualquer outro nome que se queira dar para o que acontece talvez por consequência dos nossos atos ou omissões. Castigo, purgação ou uma aleatoriedade que ri das nossas questões? Não sei, talvez precisasse de mais foco. Talvez com mais foco eu descubra afinal: a mosca está lá fora querendo entrar ou dentro querendo sair.

Acho que vou mudar de marca de café...