Odores nada convidativos!

A padaria estava distante. Caminhava cansado, de ressaca, e um pouco ressentido por uma briga que tive na noite anterior. A chuva, sem aquela empatia comum aos poucos homens que conheço , resolve fechar o tempo. Enclausura-me sob um alpendre na companhia de duas jovens. Elas conversam sobre uma terceira garota que há dois dias havia saído com um gringo. E não voltara. Santa e legal foram os únicos adjetivos que não lançaram à moral da outra(uma amiga?). "Ela saiu por dinheiro, é claro!" disse uma delas. Tinha halitose, era velho e obeso. Nojento, segundo elas. "Nunca me prostituirei", disseram em coro. "Coisa de piriguete"(não entendi esse termo). A mais jovem aparentava ter 20 anos. E seria uma das mulheres mais experientes da história se um terço do que dizia e gabava-se de fazer(sempre trapaças baixas) fosse verdade. Eu escutava pacientemente, com uma terrível dor de cabeça, aquela tediosa troca de paixões delirantes expressas numa linguagem chula que faria qualquer gramático infartar ou um linguista pós-moderno gozar.

A chuva dá sinais de fraqueza, talvez importunada por aquele diálogo de fechar o tempo. Antes de saírem, uma delas confessou que seu sonho era casar-se com um homem rico. Ter vida fácil, porém não tinha sorte. Só aparecia macho lascado. A outra, esquecendo-se do que dissera minutos antes, estava de olho no vizinho, proprietário de um grande mercantil. Tinha um encontro marcado com o velho para o dia seguinte. Enfim, a chuva canta seu silêncio. Momento de escapar da sala de tortura. Elas saem. Alguns metros depois olham para trás. Riem, cochicham, talvez nutrindo algum interesse. Finjo não saber do que se trata. Olho para os lados. Nada vejo. Infelizmente, não estava em condições de retribuir esquisita simpatia. Tiram seus celulares do bolso, continuam a sorrir e flertar. A mais velha acena para mim. Bonita, porém mal trajada e suja. Não pior do que eu. Um trapo.

Mesmo enjoado. tonto e fedendo, eu me aproximo dela. Para nossa sorte ou azar, o sol surge e ofusca minha vista. A tontura e o enjoo se intensificam. Dou sinais de desmaio. Os olhos embaçam. Seguro-me nos ombros da maltrapilha. Estou a apagar. Não resisto. Vomito involuntariamente. Um jato furioso de gosma esverdeada cai sobre o decote sensual e tatuado da jovem que, gentilmente, oferecia-me seus serviços gratuitamente. Ela me empurra. Fico no chão, sem forças, ali permaneço entre o mundo real e o dos sonhos. Elas saem pronunciando impropérios ininteligíveis a um candidato a moribundo. Cerca de dez minutos depois me levanto. Ainda com gastura, sujo, desisto de comprar os pães. Volto. Perto de casa, um dois quarteirões antes, um jovem casal bem trajado, com bíblias , exalam aquele odor eclesiástico em seus andados, olhares e cheiro. Passam por mim aparentando indiferença, mas olham sorrateiramente, com aquela discrição dos casais felizes de um típico domingo de missa. O cheiro é forte, mais potente que o das duas maltrapilhas reunidas num só corpo. A tontura volta. Vomito novamente e tombo. Olho para o casal, eles me veem caído. Aceleram o passo como se eu os perseguisse. Desviam o caminho e seguem seu destino de bons devotos. Vomito sobre mim. Deitado sob o sol de 9h, no asfalto, desmaio. Acordo no hospital. Laudo médico: alergia a odor dominical.