COFRINHO VIRTUAL

Da mais recente vez que estive em Brasília, encontrei-me com velhos e bons amigos que por lá deixei. Oportunidade para atualizar notícias dos distantes e ausentes. Fulano aposentou, beltrano está em viagem pela Europa etc. Nessa toada, soube das novas peripécias de Faruk. Sempre metido em trapalhadas, buscando um modo de enriquecer-se facilmente.

Faruk é filho de um libanês pacato comerciante de confecções em Sobradinho/DF. Conheci Faruk através de seu pai, com quem não deixava de trocar uns dedos de prosa quando passava por aquela cidade do DF. Cheguei a almoçar algumas vezes com sua família, saboreando inigualáveis quibes, homos tahine, coalhada seca e charutos na folha de uva. Tudo isso acompanhado de arak e pão sírio da hora, feito por Farid, sua alegre esposa e dona de casa, permanentemente atrapalhada com a regência verbal e o gênero da língua portuguesa.

Constavam do longo currículo sujo de Faruk pirâmides do enriquecimento, rifas, lotes no mato, fabricação e distribuição de falsos perfumes franceses e uísques. Faruk, contudo, sempre se mostrou um grande companheiro, disposto a servir sem medir. Sem ele, nosso grupo ressentia-se das anedotas fresquinhas, notícias e mentiras sobre os pretensos aristocratas de Brasília.

Contou-me Serjão a última de Faruk, plantada no início do ano passado. Meteu-se com uma cidadã – Magda - de bom trânsito na Câmara dos Deputados e nos convescotes da alta sociedade. Seu bom conhecimento em informática não a impediu de colecionar seguidos fracassos empresariais. Dentre eles, a tentativa de instituir um provedor de internet local, tendo como pano de fundo as aboborinhas típicas de coluna social.

Recentemente, Faruk e mais dois sócios - um deles executivo egresso de cooperativa de crédito - inventou uma arapuca financeira, intitulada “seu cofrinho virtual”.

O negócio assim funcionava: pelas redes sociais, onde não falta trouxa e, provavelmente onde o ódio alimenta a imbecilidade dos inexperientes, buscava-se induzir pessoas a poupar “trocados” (aceitava-se até um real) numa conta bancária. Caprichava-se no marketing comparativo entre o cofrinho virtual e cofre-porquinho doméstico. Até a logomarca do negócio era o próprio porquinho de louça com fenda nas costas. O propósito era sensibilizar a pessoa para o costume de nele guardar moedas e pequenas quantias. Os depósitos eram recebidos através de transferência bancária. Para tanto, abriram contas em nome de pessoas físicas nos quatro maiores bancos nacionais, inclusive na Caixa Econômica. Para dar um tom de legalidade, simulavam a venda de títulos denominados “PIG”, que prometiam render o dobro da poupança oficial, após 60 dias aplicados e imobilizados. O formato era, após a carência, pagar os rendimentos com novos recursos captados, lembrando as famigeradas pirâmides financeiras. Quem reclamasse a devolução da aplicação antes dos 60 dias, receberia apenas 90% do valor aplicado.

Segundo Serjão, um trambique até bem bolado, porém, fadado ao insucesso pela falta de esteio legal, nem como aparência. Além disso, tratava-se de organização desprovida de capital e fundo garantidor. Advertira o amigo Faruk para o caráter criminoso da iniciativa e as penalidades cabíveis aos responsáveis. Deixou claro ser crime contra o sistema financeiro emitir títulos de poupança sem a devida autorização do Banco Central.

Faruk fazia ouvido de mercador para as advertências de Serjão. Apostava na impunidade à sombra do prestígio de sua sócia maior junto aos importantes amigos congressistas. Muitos destes dando respaldo visando a algum lucro no futuro.

Incrivelmente, em seis meses, o negócio chegou a somar mais de um milhão de reais captados. Nesse ínterim, o grupo abriu novas “janelas” operacionais, formando novas sociedades. Entraram nos ramos da agiotagem e do cambismo. Dinheiro a juros elevados e comércio de moedas no câmbio negro eram atividades bem mais rentáveis que o projeto original. Permitiam garantir e honrar, com sobra, os rendimentos prometidos pelo cofrinho.

Com isso, o aplicador do cofrinho nada tinha a reclamar. Recebia regiamente sua poupança devidamente corrigida. Muitos até engordavam as aplicações.

Magda também abriu uma nova janela. Passou a comprar, a vista, créditos parlamentares de passagens aéreas. Adquiria-os com deságio de 30% e vendia-os, na forma de passagem, com dez a quinze por cento de desconto. O negócio rendeu até a montagem de uma agência de viagens exclusiva para esse tipo de trambique. O cofrinho já nem mais interessava, por sua baixa lucratividade ante os novos negócios. Venderam a carteira do cofrinho para uma cooperativa de crédito, que legalizou e formalizou a poupança dentro dos parâmetros da cooperativa.

Faruk sentia-se milionário. Perdulário, gastava com alegria. Fazia questão de pagar contas de botecos e restaurantes para amigos. Inflacionava gorjetas. Chegou a ser chamado de doutor pelos garçons.

Como era de se esperar, a organização, atuando ilegal e clandestinamente, não tardou a ser alvo de investigação. Bloquearam os bens e saldos bancários de seus sócios. Detiveram todos. Hoje, respondem judicialmente a crimes diversos, porém, sob liberdade condicional.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 21/07/2018
Código do texto: T6396152
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