Conflito

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Como é penoso ser o soldado da linha de frente na batalha. Ser como o recruta convocado às pressas para a Guerra. Perdido, desolado, com medo. Ganhar uma medalha de honra ao mérito e, mesmo assim, assinar a capitulação. Sim, também me sinto como o General que, acuado e sem forças para resistir, capitula e assina o Tratado proposto pelos vencedores aos perdedores. Eu, todo dia, declaro guerra e faço meu Tratado de Versalhes.

Mas não. O mais laborioso é reconhecer a ilusão da maioria das Guerras, em que ambos os lados saem perdedores e fatigados, sem nenhum acréscimo, nenhuma evolução.

Existe harmonia? É possível viver sem conflito, nem que seja o de idéias? Nós, humanos, somos intensos nesse sentido. Até mesmo o Budista, conscientemente ou não, trava uma batalha de idéias. Ao meditar e viver na reclusão como monge, se abstêm do conflito, foge da arena da vida. Em verdade, o caminho do meio gera um conflito talvez até maior na mente de quem o segue. Ao ficar entre os extremos, sofre-se a influência de ambos, e a ambos se resiste. Ambos extremos fazem força para o corpo se deslocar no sentido proposto. Ser um extremista provoca menos conflito mental do que estar entre. Estar entre é batalhar contra a tendência natural...

Nós, humanos, somos eterno conflito. Agora mesmo, as células de defesa do meu corpo travam uma batalha incessante contra microorganismos invasores, sedentos por se instalarem e reproduzir em terreno fértil, de mim extraindo o que precisam.

Outra reflexão. Veja só que contradição. Ao estar entre os extremos, não combatendo nenhum, sem quere o indivíduo endossa e faz os extremismos continuarem propagando suas verborragias por aí. Talvez ele próprio consiga se livrar dos extremos. Mas, certamente, o mesmo não ocorre ao Todo. E outra. O meio não existiria se os extremos aí não estivessem. Estar entre e estar no extremo. Dois modos de viver que provém de um mesmo ancestral. O budista de hoje foi o extremista de ontem.

Tentemos viver sem lutar. É o caos. A harmonia é o resultado entre uma batalha e outra. Nós, humanos, somos eterno conflito, aceitemos isso. Cada qual com suas pequenas batalhas, pequenas bandeiras em meio às grandes, como dizia Machado de Assis.

Não importa se a batalha é contra si mesmo, contra o outro, contra as próprias idéias, contra as idéias do outro. Nós somos eterno conflito. Gosto de espelhar-me na natureza. Observe-a. Por trás das belas paisagens, da bela arquitetura natural, há uma batalha incessante. Árvore com árvore. Ave com ave. Peixe com peixe. Fera contra a caça. A caça contra uma caça menor. Dois caçadores que disputam pela caça. O verme, que batalha contra todos. A harmonia, na natureza, vem do hiato de conflitos.

Claro. Não é possível viver na batalha incessantemente. Talvez essa seja o caminho do meio verdadeiro. Reconhecer que conflitos existem, assim como reconhecer o hiato, o lapso temporal entre eles. Batalha, harmonia, batalha, harmonia. E assim vai. Nesse pêndulo que resiste à caída da areia na ampulheta da vida.

Só mais uma última reflexão. Estar entre supõe ter estado em um extremo. E o meio pode tornar-se extremo com o tempo. Ah! E só para não esquecer. Nós, humanos, somos eterno conflito.

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