O ATROPELAMENTO

Dia desses recebi pelo whatsapp um vídeo sobre um atropelamento. Devia ser no Japão, na China ou em algum outro país oriental pela fisionomia da vítima. O vídeo era bastante forte. Foi captado por alguma câmera de segurança bem posicionada que gravou a cena.

Um homem de média estatura desce de um caminhão muito grande e fica parado de costas olhando para a traseira do veículo. Devia ser a construção de alguma estrada pelo aspecto do cenário.

Pelo que dá para perceber ele dirigia um daqueles caminhões gigantes que carregam asfalto.

Distraído não percebe que vem, em sua direção, um caminhão também gigante, de marcha à ré. A quina da caçamba do caminhão bate em sua nuca fazendo com que ele caia estirado no chão. Deste momento em diante vídeo torna-se chocante.

O caminhão passa com seus dois rodados duplos por sobre o caído que estava ao comprido no chão, no mesmo sentido do trajeto que o gigante seguia, provavelmente já desacordado pela pancada que recebeu, sendo amassado por completo.

Enquanto o caminhão passava por cima dele, seu corpo fazia movimentos de ondulações parecendo um boneco, sem expressão, em tamanho natural, semelhante aos bonecos que são usados no Sábado de Aleluia quando fazem a tradicional malhação de Judas.

Em dado momento o homem já esmagado, mas sem perder a forma humana devido às roupas que serviam, naquela hora, como um saco de carne, na passada do último eixo, o dianteiro, acontece algo mais inusitado e assustador possível.

Seu abdomem, como que explode, jogando com violência, como num esguicho, numa golfada todas as suas vísceras para o centro da rua, misturadas a sangue, tripas, e miúdos moídos pelo peso colossal dos rodados.

Após alguns momentos em silêncio observando aquela cena, que vi não uma, mas várias vezes até entender o que deveras tinha acontecido,pensei com meus botões o que somos nesta vida e os objetivos que almejamos dela.

Como somos frágeis e reféns das coisas que acontecem conosco. Porque passamos a vida inteira nos preocupando com coisas que no, final das contas, não nos dizem respeito e nem mereceriam nossa atenção.

Que achamos de forma jactante e assoberbados que controlamos a vida, enquanto ela nos olhando silenciosa sabe que nos controla.

Das preocupações que nos destroem, nos destroem por termos conhecimento delas. Visto que incontáveis perigos corremos todos os dias desde quando acordamos até o momento de dormir e nem sequer tomamos conhecimento deles, a não ser que nos acertem.

Vivemos sempre atulhados de preocupações, acreditando serem elas os monstros mais terríveis que precisamos nos defender. Até vir um caminhão gigante de quatro rodados para nos mostrar que existem perigos por todos os cantos, não precisando que nós os procuremos. Bastando a cada dia o seu próprio mal.

Fiquei imaginando que daquelas vísceras esparramadas pelo asfalto, uma, quem sabe, estivesse condenada com alguma neoplasia que martirizava-o perturbando suas noites de sono. Algum tumor maligno que causava a si e a toda a sua família tristeza e melancolia.

Que teria seus dias contados por alguma doença terminal, que houvera bagunçado sua vida de maneira medonha e sinistra. E que por fim não se consagraria a ser causa de sua desdita. Mas sim, longe de ser o que lhe preocupava, tornou-se vítima de um acidente imprevisto, fortuito, fruto de um azar de estar no lugar errado na hora errada.