Dentro da Igreja

Na cidade onde nasci tem uma grande igreja. Missa todos os dias, de manhã e à noite. Algumas extras aos domingos. Dentro da “nave” há o salão principal, com o altar na frente e dois confessionários em cada lado. Um masculino e outro feminino.

Nos fundos, acima da entrada, há um mezanino amplo, onde normalmente se postam os cantores. É o chamado “coro” onde também tinha uma harmônica que enchia a igreja com seus sons. Em frente havia uma amurada, com um metro de altura, que servia de proteção e apoio do livro de reza, daqueles que participavam da missa daquela posição.

Participar da missa postado lá em cima era um privilégio de adultos. Mulheres só podiam subir lá se fizessem parte do coral da igreja. Assim, os adolescentes disputavam uma vaga para sentirem-se gente grande. Nos meus 14 anos também me arrisquei a subir, esgueirando-me com medo de ser barrado e mandado para meu lugar lá em baixo.

Havia o Otto, uns três anos mais velho que eu, freqüentador assíduo do “coro”, de onde participava da missa. A história em questão aconteceu no dia de páscoa. Uma manhã fria e estávamos todos encasacados. Eu ficava perto dele, para me sentir protegido dos “velhos” que costumavam estar lá. Havia também o velho Bernardo que fazia a coleta na hora do ofertório. Ele era muito magro e caminhava tropegamente por causa da idade, mas devia sentir-se feliz na sua posição de arrecadador de impostos para a igreja, com aquela bandeja na mão.

Ele chegou perto de nós e eu prontamente tirei os trocados – recebidos especialmente para esse fim, do meu pai – e pus na bandeja que ele segurava. O Otto descruzou os braços, pôs a mão no bolso interno do casaco, tirou-a, vasculhou os bolsos externos, com uma parcimônia enervante. O velho Bernardo aguardando pacientemente. Finalmente Otto pôs a mão direita no bolso da calça, tirou de lá um lenço, assoou ruidosamente o nariz, guardou-o e retomou sua imponente posição de atento fiel, em pé, com os pés afastados e os braços cruzados sobre o peito.

Na igreja só é permitido falar aos sussurros e o mínimo necessário. Xingar então, impossível. O olhar fuzilante que o velho Bernardo dirigiu ao Otto, que se fazia de desentendido, eu guardo até hoje.

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 06/09/2007
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