Visita inesperada

De moletom e pantufas, estava preparada para passar a tarde de domingo em frente à TV, assistindo a um bom filme...

"Quem sabe eu faço até uma pipoquinha?”

Este pensamento foi interrompido pelo toque da campainha.

Abri a porta e não vi ninguém.

Voltei e, para o meu espanto, vi um homem bem velho sentado no meu sofá.

Num sobressalto, só pude dizer “oi”, esperando que as explicações fossem surgir sem que eu precisasse pedi-las.

Mas ele só disse:

_ Oi!

_ Você entrou em minha casa sem sequer pedir licença. O que quer?

_ Não preciso pedir licença para entrar onde já estou.

_ Está porque entrou. Não te convidei. Peço que se retire.

Ele levantou o encosto dos pés do sofá, acomodou-se confortavelmente no fundo da poltrona e colocou as mãos entrelaçadas atrás da nuca.

Fiquei perplexa. Aquilo não podia ser verdade!

_ O que você quer? Perguntei.

_ O que você quer? Ele retornou.

_ Não, senhor... O que VOCÊ quer? Perguntei.

_ O que VOCÊ quer? Ele retornou.

Daquele mato não saía coelho. Bati os dedos indicador e médio na boca, repetidas vezes, como quem tenta achar uma solução. Transportei-me para um tempo de criança, quando eu fazia um gesto parecido.

_ O que eu faço contigo?

_ Excelente pergunta! É isso mesmo que eu vim saber! Exijo uma definição.

_ Você veio saber o que EU vou fazer com você?

_ Exatamente!

_ É prova discursiva ou tenho opções?

_ Tem opções.

_ Então, por favor, diga.

De alguma maneira, eu sentia que conhecia aquele velho insolente de algum lugar. Por isso eu nem tinha medo dele.

_ Mas deveria.

_ Oi?

_ Você deveria ter medo.

_ Então você também lê pensamentos!

_ Não só leio. Também manipulo.

_ Não quero saber. Me diga quais são as minhas opções.

_ Ou você me deixa no meu devido lugar, ou virei te visitar quando menos esperar.

_E qual é o seu lugar?

_ Você quem diz.

_ Eu gostaria que fosse fora daqui.

_ Então porque me mantém aqui?

_ Mantenho como, criatura? Se eu nem te vi entrar!

_ Não preciso entrar onde já estou.

_ Você já disse isso. E está sendo repetitivo!

_ Eu sou repetitivo.

_ Como eu tiro você daqui?

_ Me tirando daqui, oras.

Tentei puxar o velho. Nada.

_ Você é mais pesado que eu... Seria possível se retirar por favor, com licença, e por gentileza?

_ Não. Não posso. É simples. Eu só saio se você me tirar daqui, mas como sua inteligência não está muito aflorada hoje, vou explicar melhor: tirar significa tirar. De tudo! Das gavetas, dos armários, dessa papelada ridícula que você acumula. Cadernos que você nunca mais encostou, contratos vencidos, nota fiscal de coisa que você nem tem mais, cartas sem valor presente, até linha de costura embolada tem ali.

Pela linha de costura embolada eu não esperava... Fiquei constrangida.

_ É você, senhor passado!!! Você está mudado!

_ Eu mudo sempre, cada vez que você me olha eu estou de um jeito.

_ Cada vez mais velho e petulante!

_ Petulante é você, que tem a vida inteira pela frente e fica me chamando sem necessidade. Eu já disse e repito: devo ser consultado com prudência. Pegue apenas o necessário e siga em frente; mas me deixe no meu lugar. Se você insistir, vou pregar peças em você, vou te manipular e te dar o troco. Não vê que estou velho e cansado? O que eu tinha para ensinar já ensinei. Se você me fizer voltar para ocupar lugares que não cabem a mim, da próxima vez não vou embora tão fácil. Me gasta muita energia mover todo o tempo-espaço para vir até aqui. Passe bem.

E foi sumindo do sofá, à medida em que eu tirava quatro caixas de passado de dentro de casa.

Eu devia pelo menos ter oferecido um café.