O CAMINHÃO DE SAPATOS DO MEU AVÔ

O CAMINHÃO DE SAPATOS DO MEU AVÔ

Desde muito pequeno ouvia meu pai contar essa estória acontecida com meu avô Francisco Miorim. Poucos anos antes de partir para outro plano, o próprio contou-me detalhadamente essa passagem de sua vida, mas não soube precisar a época que ocorreu. Acredito que foi muito antes de 1950. Meu avô foi comerciante, dono de frota de táxi, dono de açougues, entre outras atividades. Viajava muito pelas cidades próximas a Santa Maria acertando seus negócios com fornecedores, clientes, etc..

Certa ocasião contratou um “auto de praça”, como falam os gaúchos, acertou o preço da viagem, e partiu. Viagem mais ou de menos de duas horas. Foi proseando com o motorista, que era bom de conversa. Uma das coisas que admiro no povo do sul é a maneira de conversar. Quando um fala o outro escuta e espera sua vez de se expressar. Bem diferente daquelas conversas tumultuadas nas quais cada um quer falar mais que os outros. Logo que chegou ao destino meu avô tratou de seus negócios e, mais duas horas, iniciaram a viagem de retorno à Santa Maria. Assim que pegaram a estrada, o motorista, então já considerado um amigo de meu avô, contou que havia comprado um bilhete completo da Loteria Federal, válido para o sorteio do próximo sábado. Perguntou se o “seu” Francisco não poderia ajudá-lo, pois a quantia que gastou fazia-lhe muita falta. Na verdade, insistiu tanto que meu avô comprou o bilhete e pagou o valor de tabela ao motorista. Pegou o bilhete, colocou no fundo de sua pasta.

Passados uns vinte dias, ao pegar uns documentos localizou o bilhete e, assim que teve um tempo, foi conferir o resultado. Simplesmente havia ganhado o primeiro premio cheio. Imediatamente começou a planejar o que fazer com o valor que iria receber da Loteria Federal. Possuía um ponto comercial muito bem situado em Santa Maria, resolveu que montaria uma loja de sapatos. Recebeu o premio e preparou a loja com prateleiras, vitrines e tudo mais necessário para atender seus futuros fregueses. Tudo pronto e legalizado adquiriu um caminhão, negociou com fabricantes de Novo Hamburgo a compra de uma carga completa de sapatos, o que garantia um bom estoque para começar a operar a loja. Marcou data da inauguração. Para quem não sabe a região de Novo Hamburgo é onde fica o maior polo calçadista do Brasil.

Partiu de madrugada com intenção de voltar no mesmo dia e preparar a abertura de sua loja. Chegados a Novo Hamburgo, carregou a mercadoria e, após o almoço, iniciou a viagem de volta. Quase trezentos quilômetros separam Santa Maria de Novo Hamburgo. Ao final da tarde chegaram às barrancas do Rio Jacuí.

Na época, muitos locais utilizavam balsas para travessias de rios. Eram embarcações bastante simples, impulsionadas manualmente por um balseiro através de grandes varas ou avançando puxando-se um cabo de aço com uma peça de madeira. Os veículos eram embarcados com muito cuidado para evitar empurrar a balsa. A entrada e a saída da balsa eram os momento mais perigosos da travessia. Chamado o balseiro, este recusou a executar a travessia devido o adiantado da hora. Meu avô resignou-se a esperar pelo dia seguinte e dormiu no caminhão.

Clareando o dia, iniciaram a operação. O caminhão, meu avô na boleia, aproximou-se lentamente da barranca do rio, começou a descer para embarcar. Quando se encostou à balsa e iniciou o embarque, esta cedeu sob o peso do veículo. E aconteceu o inevitável. O caminhão empurrou a balsa e esta por sua vez provocou o rompimento das amarras. A balsa foi para no meio do rio e o caminhão carregado de sapatos naufragou lentamente, indo parar no fundo, totalmente coberto pela água. As caixas de sapatos foram se desprendendo a levadas pela correnteza. Após flutuar uns metros, afundavam e sumiam.

Palavras do meu avô: “-Era até bonito de ver aquelas caixinhas navegando e afundar no rio!”, e sorria.

Paulo Miorim

07/08/2018

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 07/08/2018
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