A JORNADA DO PAI

Autor - Leandro Mendes da Cruz – meu filho

Eu tinha uns dezoito, ou dezenove anos, quando meus pais me chamaram para uma conversa a respeito de orientação sexual e, também, sobre como ser pai precocemente.

Lembro-me da minha reação ao pensar como eles estavam atrasados para aquela conversa e como eu tentava ficar sério diante deles. Mas consegui manter a seriedade e valorizar o momento entre pais e filho, aliás, meus pais não tiveram a mesma conversa com os meus avós.

Ouvi por diversas vezes as orientações deles e também tantas variações de conselhos no decorrer da minha vida, tais como:

Aos 20 anos,"cuidado para não fazer um filho antes do tempo e com a pessoa errada".

Aos 23 anos,"não vejo a hora de ver você casado e ser pai".

Aos 25 anos,"já é hora de planejar a vida para não ser pai muito tarde".

Aos 30 anos, "você nos dará um neto, ou não?".

E, por fim, aos 34 anos, "perdemos a esperança de ver o rosto do nosso neto".

Por ter boas referências de paternidade é que eu sempre desejei ser pai. Mas os desencontros da vida fizeram com que este sonho viesse no auge da minha maturidade e agradeço ao universo por ter trazido a pessoa certa, no momento certo, para realizar o maior feito da minha existência.

Lembro-me, em detalhes, o sentimento que tive ao vê-la trazendo o exame na mão. Ela estava muito séria e fingia não ter visto o resultado. Naquele instante eu estava muito ansioso. Meu coração disparava e minhas mãos suavam.

Nós tentamos por cinco meses e já havíamos largado mão da tabela e da preocupação de quando iríamos ser papais. Tínhamos tomado a decisão e isso era o mais importante.

Ela sentou-se ao meu lado e sorriu. Em seguida me mostrou o papel com o resultado positivo. Chorei. Choramos juntos. Abraçamos-nos; beijamos-nos. Ali estava a confirmação de uma mudança radical: serei papai.

Apenas faltavam duas semanas para eu casar com a mulher da minha vida.

Foi uma mudança bruta em meu comportamento e nas minhas prioridades. Em toda minha vida eu fui dedicado aos familiares. O cuidado e a atenção são minhas características básicas, mas algo mudou em mim naquele momento e potencializou esses sentimentos.

Eu estive preparado a vida toda para aquele momento, pois havia recebido inúmeros conselhos, mas não me imaginava naquela momentânea condição onde eu faria tudo e moveria montanhas e... e ... e... e... e daí? O que eu faço agora?

Não, não existe nenhum manual de como ser um chefe de família e muito menos de como ser um pai.

Ter um filho nunca virá acompanhado com manual de instruções e nem inserido em prescrição de bula. Dai em diante os acertos e os erros virão com a experiência de vida e a convivência do dia-a-dia será a única escola.

Foram os meses mais lindos que pude passar com alguém. Vi minha filha florescer no útero da mãe. Em cada exame havia uma evolução; um passo dado.

Observar minha esposa gerar nossa filha foi o maior espetáculo que já pude assistir. A cada centímetro de crescimento do bebê uma alteração hormonal se fazia presente no corpo da futura mãe. E a partir daí fui aprendendo novas palavras, tais como: puerpério, colostro, parto humanizado e etc, etc. Coisas que antes nunca procurei saber mas, daí em diante, passei a ser um pesquisador assíduo dos assuntos pré-natalenses.

Enfim, o grande dia.

Foram trinta e duas horas de espera em meio a abraços, apertões, danças para passar o tempo, carinho na barriga (e na mamãe é claro), beijos e abraços intermináveis. Um momento puro e cheio de expectativas. Por fim, chegou o instante:

* Bolsa estourada, check,

* Dilatação de dez centímetros, check,

* Câmera fotográfica, check,

* Coragem ... Ai estaria pedindo demais, não?

Bem, até que eu me saí bem melhor do que esperava. Filmei cada segundo. Apoiei minha esposa com frases de carinho. E lá estava ela: pequena como uma florzinha de cor meio azulada e roxa. Em sua boca saíam bolinhas de saliva e ela não fezia nenhum barulho. Abriu rapidamente os olhinhos e logo os fechou. Era o ser mais impressionante que eu já havia visto na minha vida.

Meu coração batia acelerado em meio a um choro misturado com sorrisos que fluíam de mim sem o meu controle. Era um sentimento indescritível. Tudo era grande, puro, forte, sincero e estonteante... Era amor.

Ali estava minha menina Selena Agnis, a criatura mais linda que eu já vi.

Em um simples texto não é possível transmitir tudo que me ocorreu neste espaço de um ano e sete meses após seu nascimento. Só ela me fez chorar, sorrir, sonhar, não dormir, falar dela sem parar, tirar fotos em todas as posições possíveis e não apagar as repetidas, comer melhor, comer passivamente, trocar fraldas, dar banho, cantar para dormir, inventar músicas, contar historinhas e admira-la enquanto dorme, ouvir sua primeira palavra (Angu), aprender a ser paciente e ao perder a paciência, momentaneamente, chorar em seguida por ter brigado com ela. Me preocupar com as vacinas, com remédios, gripes, bronquites, pneumonias, assaduras, observá-la admirando o tamanho da sua mãozinha em comparação com a minha. Olhar seus olhos enquanto me observa e ouvir a sua voz me dizendo "babai", depois de um dia inteiro longe dela. Ver seus primeiros passos. Ouvir seu sorriso e gargalhadas e sentir seu perfume natural; acariciar sua pele macia e delicada e sentir sua pureza quando toca no meu rosto mostrando afeto e logo em seguida me dá uma bofetada sem explicação aparente. Todos estes pequenos momentos; esses instantes que formam uma lembrança completa, é quem nos preenche a alma e nos dá sentido àquela palavra que buscamos incessantemente: felicidade.

Só quem é pai pode entender esse sentimento. Só quem é pai poderá enxergar por essa ótica.

Hoje, dia dos pais, é mais um dia como muitos outros. Mas senti essa imensa vontade de escrever para minha filha e dedicar a ela letra por letra. Só quem é pai pode entender a expectativa de voltar para casa após um dia ausente e poder abraçar seus filhos. Só quem é pai irá entender que deixamos de lado egoísmo, vaidade e damos prioridade ao que mais importa em nossas vidas. Nossos filhos são a esperança do amanhã. Dar vida a um ser é acreditar em um mundo melhor; é valorizar os pequenos gestos e sentir gratidão.

Gerar um filho é um milagre que nos aproxima do Criador. É uma forma de limpar a alma e acreditar na beleza da vida.

Dedico esse texto à minha filha Selena por ser ela a mais linda poesia que já escrevi, a mais perfeita obra de arte que já esculpi e a melhor semente que plantei neste mundo de desilusão.

Papai te ama.

José Pedreira da Cruz e Leandro Mendes da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 13/08/2018
Reeditado em 03/09/2018
Código do texto: T6417988
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