Lembranças de Havana (XII)

Domingo é o dia mais recomendável para se descobrir como vive um povo. Como se divertem, como são os momentos de descontração, como se relacionam com amigos e familiares. Domingo em Havana surpreende o desavisado viajante de País capitalista: as pessoas se dedicam ao ócio de maneira muito similar àquilo que se vê nos arredores latino-americanos. Ao longo do Malecón bebem-se generosas doses de rum, passeia-se com crianças endiabradas, adolescentes flertam com intenso alarido, casais de mãos dadas inspiram-se sob o sol cálido e o mar tranqüilo.

No final da tarde, um intenso burburinho toma conta das imediações do Hotel Nacional: formam-se filas, fala-se aos berros e extravasa-se a alegria do encontro, dali a instantes, com a exibição de um filme de Batman. Contenho a marcha, examino atentamente o cartaz exposto na entrada: Batman, de fato.

Os bêbados cubanos são tão chatos quanto seus similares brasileiros: à beira-mar um deles, entupido de rum, vocifera, esbraveja, baba e demonstra seu desarranjo com uns gestos trêmulos: a mulher – provavelmente a mulher – tenta convencê-lo, com paciência declinante, a atravessar a rua. Crianças miúdas já o fizeram e uma senhora gorda e idosa, que vaqueja os pequenos, lamenta a carraspana com impropérios.

Fiquei uns instantes apreciando os esforços para fazer o bêbado atravessar a rua. Ao redor casais, muitas crianças, homens e mulheres, riam, se divertiam com o vexame. Por fim, o bebum acabou convencido a atravessar a avenida. Depois que o fez, seguiu reclamando e, por fim, o cortejo dobrou uma esquina e desapareceu.

O sol muito morno era um convite para preguiçar à beira-mar até o fim da tarde. Soprava um vento suave, um pouco frio, o que tornava o sol mais acolhedor. A luz que se refletia, escandalosa, nas fachadas embaçava a vista, produzia uma sensação muito agradável.

Tarde de domingo sem consumo conspícuo. Somente a brisa marinha, o sol cálido, a melodia dos mares, a dança das ondas, os passos preguiçosos ao longo do calçadão. Umas gaivotas sobrevoam os arredores e piam alto. As asas cortam o ar num bailado desengonçado e trêmulo.

Nos curtos intervalos em que o mar toma fôlego, paira um silêncio profundo, suavemente rompido pelas vozes e risos distantes, pelos sons abafados dos motores longínquos.

Naquela tarde as referências capitalistas se diluíram, deixando um vazio preenchido por uma lânguida reflexão. Pensava nos símbolos do consumo, típico das tardes de domingo. Pensava, mas não conseguia achar respostas.