Esquina

Havia sangue em minhas mãos mesmo depois de tê-las lavado. Ele estava grudado em minha alma e eu sabia que sua imagem e seu cheiro metálico me perseguiriam por toda minha curta jornada em vida e, talvez, no que se dá depois dela.

Enquanto caminhava, sentia o espírito pingando por entre os dedos. O manto puro e impenetrável da noite recordava os anos doces e distantes nos quais a liberdade e seu maldito peso de escolta ainda não tinham cravado suas garras em torno de meu pescoço. Agora eles estavam brincando e zombando de mim através das luzes na cidade.

"O mundo é muito pequeno quando não se tem para onde ir"

Pessoas indo e vindo; trânsito, histórias... Eu via apenas mentiras e dinheiro, desespero e ignorância. Esta era a minha doença. Mas não importava, agora as sirenes demarcam o fim da agonia. Sabia que iria terminar assim. Neguei o dinheiro pelo serviço, fiz pois devia fazer e também por acreditar, no fundo, que salvando outro alguém da missão, eu podia escapar do inferno.

Cresci ouvindo que o destino nos espera sempre na esquina, na forma de uma puta, um vendedor de loteria ou um ladrão. Vivi sob a sombra das três encarnações mais comuns até virar parte da família. Nesta noite, ao ser o destino final de alguém, acabei derramando o meu pelo caminho.

Carolina Lima
Enviado por Carolina Lima em 16/08/2018
Reeditado em 16/08/2018
Código do texto: T6421208
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