Até que a morte os separe!

Manhã de Agosto, uma leve garoa que vez por outra se transformava numa chuva mais forte, denunciava um inverno que aqui no nordeste a gente quase nem lembra que existe. De repente o sol dava o ar de sua graça e nos levava de volta ao verão que estamos acostumados. O trânsito como sempre agitado, denunciava que era mais um dia da rotina estressante da cidade. E ainda nem estava no horário de pico. Eu estava de férias, motivo suficiente ficar em casa, ler um bom livro, tomar uma cerveja, uma dose de uísque, ou estrear minha vara de pescar, comprada numa promoção e por influência de um amigo que vivia me convidando para uma pescaria, mas sempre declinei arranjando uma desculpa esfarrapada. Acho que por isso ele nunca mais me convidou. Eu precisava combater o meu sedentarismo e resolvi dar uma caminhada. Calcei um tênis confortável, e sai vestido com o manto sagrado, que é como os rubro-negros se referem à camisa do glorioso Sport Club do Recife.

Na primeira esquina, ouço uma pergunta – de um vendedor de pipoca - que na verdade era uma provocação. Vendo-me vestido com a camisa do meu clube preferido, quis saber quem era o verdadeiro campeão Brasileiro de 1987. Sport ou Flamengo? Olhei-o com uma cara de pit-bull acuado e faltou pouco para responder com um rosnado, que era a senhora mãe dele, mas me contive e continuei minha caminhada tentando me manter dócil como um “poddle” e fazendo de conta que não tinha entendido. Devia ser um “trico-barbie” já que, flamenguista com certeza não era.

Continuei minha caminhada até parar no cruzamento seguinte. Enquanto esperava o sinal de pedestres abrir, fiquei observando um desses artistas de rua, vestido de palhaço demonstrando toda sua habilidade com malabares. São 30 segundos de apresentação. Verdadeiro “se vira nos 30” já que o sinal demora 45 segundos e os quinze restantes são reservados para angariar alguns trocados dos condutores dos veículos parados no sinal da rua transversal. As vezes no lugar de uns trocados, ele recebe os sorrisos e os aplausos das crianças que estão voltando da escola. Não tem preço ver o encantamento, a atenção e o gesto de surpresa delas. Realmente é um momento mágico que desperta a criança que existe em cada um de nós. Extasiado com a apresentação, deixei para atravessar a rua depois de esperar o sinal abrir e fechar várias vezes. Depositei algumas moedas no chapéu do artista e impressionado com a sua habilidade, atravessei a rua pensando o quanto se dedicou para alcançar aquele nível! Com certeza alguns anos de treinamento. Isso tinha que ser valorizado.

Na calçada do outro lado da rua, o som agudo e cadenciado de um triangulo: “tililingue, tililingue, tililingue”, atraiu minha atenção. Era um vendedor de cavaco chinês, (biscoito de textura muito fina, feito de farinha de trigo, açúcar e manteiga que dissolve facilmente na boca). Imediatamente entro no túnel do tempo, volto às ruas de minha infância e me vejo correndo atrás do vendedor daqueles biscoitos que os transportavam numa lata cilíndrica, geralmente feita de flandre ou zinco, presa às suas costas por uma correia de couro, tilintando seu triangulo e anunciando: “ Olha o cavaco chinês...chegou o cavaco chinês!”.

De repente, o barulho excessivo do motor de um caminhão velho, agrediu meus tímpanos, interrompeu meus devaneios e me transportou de volta ao presente, substituindo a lembrança do gosto suave e doce daqueles biscoitos por uma overdose de gás carbônico, emanado do sistema de escapamento (avariado) do veículo que, como se não bastasse, azucrinava os carros à sua frente com uma buzina estridente e petulante, com a intenção de avisar, num rompante de impaciência do seu condutor, que o sinal abrira.

Passando sob um oitizeiro, ouço o canto melodioso de um papa-capim. Tal apelido é em função dessa espécie de pássaro, se alimentar de sementes de capim. Tento localiza-lo entre as folhas e não o encontro. De repente, alça voo para uma mangueira que fica no entorno de um condomínio residencial do outro lado da avenida. Era um papa-capim tipo “coleirinho”, conhecido por possuir na sua plumagem uma coleira preta a cingir-lhe o pescoço. Aprendi a diferenciar essa espécie quando, ganhei um desses pássaros de presente de um amigo cuja família ia se mudar para o exterior e não podia levá-lo. Não demorou muito para que tribunal de minha consciência, concedesse ao pequeno prisioneiro um “habeas corpus” permanente. Descobri que repudio qualquer forma de cativeiro e me angustiou ver aquela avezinha privadas de sua liberdade. Os que se deliciam com o canto de pássaros entre grades não têm a sensibilidade de perceber que entoam uma canção clamando por liberdade. É um pedido de socorro”.

Chego no parque da Jaqueira. Não há local mais indicado ou apropriado para a prática de exercícios físicos e outras atividades saudáveis de forma segura e tranquila, mas é preciso além da obstinação, ter disciplina e regularidade nas atividades físicas para se combater o sedentarismo. Requisitos que me faltam. A pista de caminhada está sempre cheia e dependendo do horário até fica congestionada de praticantes do pedestrianismo, alguns por necessidade de saúde outras por necessidade de estética ou beleza física. Para mim bastaram algumas voltas para eu desistir. É que encontrei a “morte”. Passei por elas umas 3 vezes. Deveria ter em torno de 1,80m, pesar uns 50 quilos, manequim, mais ou menos 36, cabelos loiros e longos, olhos azuis. Aproximadamente uns 85 cm de busto, 60 cm de cintura e uns 90cm de quadril. Vestia uma calça legging amarela e uma blusa fitness cinza e transparente na cintura. Na primeira vez que passamos um pelo outro, eu a olhei de forma casual e ela me olhou de forma proposital. O dela era um olhar de desejos, enquanto o meu era apenas de admiração. Na segunda vez, voltou a me fitar mais demoradamente e com lascívia. Na terceira vez já passou a impressão de que era um caçadora que encontrara a presa ideal. Não teve novo encontro porque fugi. "Vade retro, Satanas", desejei com meus botões.

Voltei pra casa, imaginando ter encontrado o motivo de tantos amigos meus terem trocado de mulheres. Seria essa a "morte" da promessa que se faz na igreja, por ocasião do matrimônio (perante o padre, parentes e amigos) de ficar casados “até que a morte os separe”? Perguntei a alguns deles e o que responderam foi que não é especificado (no juramento feito na igreja) qual o tipo de "morte" e hoje em dia dá para escolher.

Não sei se me convenci disso. De qualquer forma na próxima semana vou voltar ao parque da Jaqueira. Se ela ainda estiver por lá quem sabe me levará. A dúvida é se, ao céu ou ao inferno!

Adenildo Aquino
Enviado por Adenildo Aquino em 21/08/2018
Reeditado em 22/08/2018
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