Lembranças de Havana (XIII)

A sofisticada indústria automobilística no Brasil não cansa de exaltar, nos sugestivos comerciais de televisão, a paixão do brasileiro pelo carro. Há aí, todavia, uma conotação de status social, de superioridade de classe, de consumo conspícuo, revestida pelo discurso emasculado do “prazer de viver”, da “paixão” ou de outras querências aparentemente neutras. O cubano também é apaixonado por carro, mas essa paixão embute motivos mais viscerais.

É rica a diversidade de automóveis que circulam pelas ruas de Havana: vai desde os táxis oficiais que transportam turistas em modelos Fiat, lançados em 2008, até antigos Galaxie, Gordini, passando pelos Lada russos que se decompõem aos poucos sob os trópicos, chegando a um antigo e – pelo menos pra mim – jamais imaginado Fiat 127, menor que o já esquecido Fiat 147 lançado no Brasil há umas quatro décadas, que se notabilizou pelo exíguo espaço interno.

A diversificada frota particular, porém, vai além da função de meio de locomoção: assegura aos cubanos mais afortunados recursos adicionais, que lhes permite vida um pouco melhor. Pela Havana Velha são corriqueiros os embarques e desembarques de passageiros pejados de sacolas e embrulhos, enquanto o motorista apregoa o itinerário aos berros. Não difere do transporte alternativo de milhares de cidades brasileiras.

Nas imediações do Centro de Convenções de Havana vi uma longa fileira de carros antigos, cujos modelos são indecifráveis para um leigo, enquanto os choferes proseavam tranqüilos, à sombra úmida das árvores. Conversavam alto e riam e alguns deles sacudiam as chaves em gestos típicos. Não soube se ofereciam corridas, mas presumo que sim.

Para os cubanos, o carro tem uma importância que vai além do charme de desfilar pelas ruas de Havana em modelos antigos. É meio de vida. Daí tantos cuidados. Daí o imenso talento mecânico que mantém circulando automóveis com seis décadas de uso. É, portanto, uma relação mais visceral que a diáfana paixão do brasileiro...