MAIS DO MESMO

Nos tempos que antecederam e repercutiram a gloriosa conquista brasileira de seu tricampeonato mundial de futebol, nossos patrícios experimentaram animadoras novidades. A mais impressionante foi a imagem em cores nos aparelhos de TV. A segunda, para os aficionados do futebol, foi o inédito espetáculo futebolístico exibido no México por atletas de extraordinária qualidade individual, bem entrosados e empenhados em cada disputa. A terceira, foi a integração social de norte a sul do país, a união de todos os brasileiros num só coração e sob uma única canção. O perdão superou a mágoa!

Como a televisão é uma máquina de fazer doido, segundo Stanislaw Ponte Preta, não faltaram bobagens televisivas que, de tão cretinas, ao invés de incomodar, faziam rir e terminariam incorporadas ao anedotário popular. Foi nessa época que começaram a se projetar e ganhar tubas de dinheiro os famigerados comentaristas esportivos nos espetáculos levados à telinha.

Quem viveu naquele tempo, ainda pode lembrar de um comentarista chamado Ruy Porto, que analisava os jogos repetindo o óbvio, mas com um bom vocabulário e auxiliado até por quadro imantado para ilustrar sua conversa.

Lembremos do que dizia ele: “o jogo entre Flamengo e Palmeiras termina seu primeiro tempo com o placar de zero a zero, o que significa que os dois times tiveram muita dificuldade para fazer gol. O placar denota que ambos se exibiram com igual qualidade. Para o segundo tempo, o time que abrir o placar terá maior chance de ser vitorioso, mas isso poderá provocar no adversário ímpeto de buscar o empate ou até de reverter a vantagem. De modo que a partida ainda está indefinida”.

Pretendendo ser didático, reproduzia algo como futebol de botões aplicando fichas de telefone público em quadro imantado para explicar como os atacantes deveriam se movimentar e se posicionar na área para receber a bola e cabecear para o gol. Um blábláblá retado, porém bem pago pelos patrocinadores fabricantes de lâmina e creme de barbear.

Os tempos mudaram, mas a bobagem e o vazio resistiram como marca indelével dos pseudoanalistas. E pior: esses falantes transformaram-se em artistas profissionais com maquiadores e paparicos a sua disposição, além de invejável remuneração. Terminaram contaminando diversas áreas do conhecimento. Multiplicaram-se como moscas varejeiras no lixo. Hoje, no rádio, na TV, nas redes sociais e em qualquer tipo de mídia, há “comentarista” para todos os gostos e desgostos. Desde os que se metem a orientar a melhor maneira de defecar num vaso sanitário até os que, sem saber onde fica a África, opinam sobre a vida dos errantes miseráveis a flutuarem no Mediterrâneo. Suas falas não passam de repetições de jargões forjados pela mídia patronal. Incompetentes e sempre mal informados, esses gabarolas reforçam precários sofismas para tangenciar a verdade, a lógica e apor à notícia conotação pessoal e viés do patrão ou da corporação que lhe sustenta. Descaradamente, aproveitam sua superficialidade racional, para bajular e expor sua torcida, sua preferência política do momento e suas ambições pessoais. Sem dúvida, são figuras desprezíveis para os que não habitam o limbo da cultura.

Que me desculpem os economistas, a Fundação Getúlio Vargas, a USP e outras respeitadas instituições onde se tratam os assuntos com inequívoca seriedade. Mas é de lá que muito se vê nas emissoras de TV comentaristas falando o “nada” com a empáfia de quem sabe tudo. Forjam um vocabulário hermético ou cheio de metáforas. Parece oratória propositadamente complicada para demandar explicações complementares do repórter. Talvez, isso garanta o salário de ambos!

Uns tais, travestidos de autoridades no assunto, chegam a parecer quiromantes de esquina. Interpretam as subidas e descidas das curvas palmares da economia como rastros de uma barata tonta. Sem sentido nem razão. Atribuem conceito primário para algo que merece melhor tratamento. Difícil entender com que critério são escolhidos ou pinçados esses cidadãos dentro de qualificadas instituições de formação intelectual. Se pelo diploma ou pela incompetência de ser socialmente úteis, mais que se apresentarem no rádio ou na TV para falar baboseira.

Entre eles, dá até para destacar os mais vazios. Geralmente são os bem frequentes – arroz de festa. Há um, já na terceira idade, com óculos joviais e voz nordestina de taquara rachada que é sempre apresentado como doutor em finanças públicas. Esse coitado só repete – e mal - o que se diz na mídia e qualquer vivente sabe de cor e salteado. Não aporta qualquer inovação racional sobre o que lhe é questionado. Não consegue sequer identificar o problema que interessa ao grupo empresarial que o convidou e pagou pela a entrevista.

Nem vale gastar tinta para reproduzir seus comentários. Mas aqui vão algumas pérolas: “com o aumento da inflação, os preços se elevam e diminui o poder de compra do consumidor”; “o dólar aumentou porque houve uma desvalorização do real”; “o desemprego é consequência da redução na oferta de emprego”; “o atraso industrial do país se deve ao não uso de novidades, processo modernos e novas tecnologias”; “o cidadão só é pobre porque não tem dinheiro”.

Ainda que vazios, os comentaristas não se acanham em fazer exercício de futurologia. Claro, erram mais que repórteres do tempo. Ainda bem que suas fajutas análises e previsões não afetam decisões econômicas do mundo empresarial, tampouco dos gestores públicos. Os que sabem de sua desimportância, fazem a elas ouvido de mercador. As donas de casa nem alteram seu itinerário na feira ou no supermercado.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 26/08/2018
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