O VÔO DOS ANJOS

O VÔO DOS ANJOS Maria Teoro Ângelo

Li um texto de Clarice Lispector em que se aventa a hipótese de nós,

seres humanos, sermos brinquedos vivos dos anjos e que, quando estamos em

aflição, eles vêm, tal qual uma criança viria, salvar o brinquedo favorito

das fogueiras da vida.

Outro dia e outro texto dizendo que somos anjos de uma asa só e portanto

precisamos sempre de outro anjo para completar o par de asas sem as quais

não podemos voar.

E mais um texto falando sobre a necessidade de sermos inteiros. Nada de

procurar a outra metade ou a outra asa e assim sermos auto-suficientes e

caminharmos lado a lado, sem dependências.

Frases consagradas do cancioneiro popular trazem o conceito de que “é

impossível ser feliz sozinho”, “ eu preciso aprender a ser só”, “eu sem você

sou chama sem luz, jardim sem luar, um campo sem flor.”

Somos seres individuais por termos um mundo interior impenetrável, espécies

sem cópias, únicas, feitas de idiossincrasias. Por outro lado somos seres

sociais e, sozinhos, não poderíamos viver, pois precisamos de comunicação,

afeto, de convivência com outros seres humanos.

Diante de tantas idéias, que chegam até nós como verdades prontas, que tal

se as questionássemos partindo do seguinte princípio de que, em se tratando

do ser humano, tudo está certo e tudo está errado, tudo pode ou não pode

ser, que meias verdades se completam com outras meias verdades. De

pensamentos opostos podemos achar o caminho do meio, o melhor e o mais

sábio.

Se somos brinquedos dos anjos, muitas vezes, eles, distraídos como qualquer

criança, deixam-nos queimar em meio às nossas aflições.

Há os infelizes porque estão sozinhos e acham que a felicidade está

atrelada à presença de um amor, uma companhia. Sem isso ficam presos às

amarguras e impossibilitados de voar.

Há quem é feliz sozinho porque nasceu com duas asas ou porque aprendeu voar

com as asas da imaginação, do otimismo, da coragem e da esperança e que

sempre vêm em pares.

Todos nós podemos nos completar com algo que não precisa ser

necessariamente um namorado ou namorada. Se temos uma asa só, por que não

buscar a outra no trabalho, nos dons que temos para fazer bem alguma coisa,

na disponibilidade em ceder a nossa asa para outros voarem?

Vejo tanta gente de asa quebrada, gente sem asa, gente esperando um alguém

que venha preencher os vazios de sua alma, gente que deposita no amor, que

ainda não tem, o equilíbrio para ganhar as alturas.

Homens e mulheres, cujas vidas se transformam em fracasso e solidão, em

tristeza, em dias sem colorido pela ausência de um amor.

Homens e mulheres numa busca incessante e desenfreada, muitas vezes sem

critério, que leva fatalmente a escolhas erradas e depois ao tormento para

se desvencilhar delas. De fato é bom termos alguém para nos acompanhar num

vinho, num jantar e dançar de rosto colado. Muitos encontram e são felizes

ou não.

O perigo é nos tornarmos brinquedos, não de anjos, mas de pessoas

inescrupulosas que se aproveitam da carência do outro e, ao invés de

trazer a outra asa, roubam-nos a que possuíamos e deixam cicatrizes difíceis

demais de suportar.

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Lillyangel
Enviado por Lillyangel em 07/09/2007
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