DIA DE SORTE
Um final de tarde gelado, a cidade recolhendo-se à busca de calor.
Ele caminhava, enrolado em seu cobertor, pela avenida de prédios de escritórios engravatados.
Vê o objeto dourado caído no chão.
Seu dia de sorte?
Ágil, pisa em cima.
Desconfiado vasculha ao redor.
Recolhe o Tesouro.
Passos à frente, caminha lento o Homem de Terno.
Um olho no Tesouro, outro no Terno.
A cabeça mergulha numa batalha de reflexões, hoje distantes de sua realidade.
Achado não é roubado...
Produto “made China”... Não deve valer nada... Mas, é bonita.
Ao Terno, já um pouco mais distante, não fará falta, justifica-se.
Pode ser presente estimado, que ele não guarda mais nenhum.
Um café da manhã reforçado. Dispensar um só dia os favores.
Pensarão que roubei. Desconfiam sempre de mim.
O Terno aproxima-se da estação do Metrô.
É preciso decidir rápido.
Ajeita o cobertor e sai correndo trôpego.
“Senhor, senhor...”
O Terno olha assustado, temente de assalto, em posição de defesa ou negativa de esmola.
Balbucia, quase incompreensível: “O senhor deixou cair”, apontando para trás.
Estende a mão mostrando o Tesouro.
O Terno examina o Tesouro, com olhar de rapina.
Trocam sorrisos.
O Terno oferece um trocado qualquer.
Ele agradece e retoma, mais leve, seu rumo sem destino.
O Terno, desconfiado, vasculha ao redor.
Guarda ligeiro o Tesouro num bolso qualquer.
Apressa-se em entrar na estação, olhando para os lados, temeroso de ser atacado por algum amigo do alheio.
Embarcado no vagão, a curiosidade sente-se à salvo.
Ansioso pega o Tesouro, admirando-o.
Que bonita! Deve ser original.
A cabeça esbarra em reflexões.
Ninguém acreditará no acontecido.
As contas no vermelho.
Seu dia de sorte?
Guarda cuidadosamente a Mont Blanc, conferindo se o bolso não está furado, para que não seja novamente perdida, como ocorrera com o verdadeiro dono.