#emlutopelomuseunacional (Será mesmo?)

Escrever #eulutopelomuseunacional seria mais esperançoso e revigorante, já que não se luta pelo o que está morto. Em verdade, desejaria não ter que lutar contra a alienação cultural que novamente se alastra como erva daninha pelas redes sociais, em resposta a um acontecimento de proporções desastrosas e irreparáveis.

Do pó ao pó, fazemos homenagens póstumas, já que a maioria nem sequer sabia da existência de um tal museu nacional. Mas a moda “pega”, e não se pode permanecer alheio ao post da vez. É legal parecer engajado e profundamente envolvido com a dor do próximo. E neste caso, a dor não é de um indivíduo, mas de uma nação. Não é de um Estado, Governo, País, mas sim de uma Nação, o que compreende diversidade, na mais abrangente definição da palavra.

O maior acervo de meteoritos da América Latina transformou-se em poeira cósmica. Mas será mesmo que você se importa? Luzia tinha 12 mil anos e “morreu” queimada. Mas você sabe quem foi e o que Luzia contribuiu para a história da ocupação das Américas? O prédio que começou palácio, tão sólido e imponente, agora se resume a um amontoado de qualquer coisa volátil e muda.

Mas você não precisa ir ao Rio de Janeiro para conhecer construções de relevância cultural histórica. Olhe ao seu redor. Aquela casa de cem anos que ocupa um terreno estratégico bem no centro da sua cidade, com traços arquitetônicos que misturam a herança de um país que recebeu, e ainda recebe, povos de todo o mundo, aquela casa que não merece a sua admiração porque é “velha demais” e na sua opinião, poderia ser demolida para dar lugar a uma galeria de lojas em estilo pós-moderno, tem história, e já teve muita vida.

Assim como o coreto da praça mais antiga da cidade. O prédio da primeira escola. A biblioteca municipal e suas poucas e boas estantes de livros. Quantas exposições você já visitou? E quantas vezes deixou de ir a um evento cultural porque o preço do ingresso não cabia no seu bolso, e ao invés de escolher um programinha cult, você resolveu gastar o dobro do valor em trivialidades desnecessárias?

Muitas são as perguntas atiçadas pelo fogo que queimou Luzia e inúmeros fósseis de plantas já extintas. A cultura está no músico que não é visto como profissional, na escritora que vez por outra precisa responder, com paciência e autocontrole, que seus livros não serão disponibilizados gratuitamente na internet, porque escrever é trabalho árduo.

A cultura está nos atores desconhecidos do grande público, nos dançarinos de rua, na orquestra municipal, nos poetas que vagam na madrugada polar, em perene “vagabundagem”.

O prédio da Quinta da Boa Vista queimou. A carreira de pesquisadores queimou. Queimaram os corredores de Dom Pedro II, seus afrescos e seu salão azul. Queimaram Angaturama Limai, o maior carnívoro brasileiro. Queimaram um pedaço gigantesco da história mundial, mas ainda que não se tratasse do quinto maior acervo do mundo, a perda da construção por si só já justifica o desespero de quem lá trabalhava, de quem a conheceu e de quem reconhecia seu valor enquanto parte insubstítuível do passado brasileiro.

Mas você não precisa espera que algo queime, literalmente, para perceber que a todo momento a cultura "arde em chamas", em suas diversas formas de expressão. Contudo, a ignorancia queima o sonho e a pretensão de um futuro. Queima o que supostamente não dá lucro.

E se você deseja que aquela aquela casa velha seja demolida, então você também está desconstruindo a sua própria história, e não se dá conta da reprodução de comportamento que te faz compartilhar posts sem o menor discernimento.

Raciocinar é “queimar por dentro”.

@lorydemacedo

@isadoraatorres – obrigada por me instigar a “queimar por dentro” e escrever este texto.