Caso da menina assustada.

Coisas de vizinhança mal resolvida. Não era propriamente o caso da menina Cecília. Garota de uns onze anos, quieta e muito bem educada, perdera o pai há pouco. Coisas da bebida!

Numa tarde, eu retornando à casa, conversei com a sua mãe. Falamos de flores, de arranjos, de preparativos para a primavera e ela me relatou que gostava das plantas da minha vizinha do lado. Mas, certa feita, perguntou para a mesma onde havia comprado tão lindas flores e esta lhe achincalhou. Sua conclusão foi: “só faltava ela me bater”.

A tal vizinha, bem, eu a evito ferozmente por outras razões, e lhe coloquei o apelido de Jezebel, numa alusão a um personagem da grande atriz Elisabeth Savalla na novela Chocolate com Pimenta. Jezebel era uma frustrada sexual, metida a chic, amante de falcatruas e capaz de planos mirabolantes em defesa dos seus propósitos, jamais respeitando o sentimento alheio.

Muito bem. Eu estava sozinha em casa, na cozinha, e aproveitando para fazer várias coisas ao mesmo tempo: tempero completo, pão com calabresa e que tais. A mesa estava enfarinhada esperando mais uma sova do pão, o liquidificador aberto com a mistura de alho e cebola, as coxas de frango sobre a pia prestes a serem limpas e retiradas as peles, a porta da geladeira aberta para a limpeza semanal e...

E a garota bateu na porta:

“Oi, dona Vera, caiu a minha calça de uniforme em cima da flor da Berenice. Eu não quero pedir prá ela. .Eu posso passar pelo seu apartamento e pegar a calça”.. interrogação.

“Lógico que sim, mas entre e pegue você mesma porque estou com as mãos cheirando a alho e cebola”.

A garota, timidamente, entrou, passou pela cozinha, pela área de serviço e... quando ouviu a voz da Jezebel,pegou apressadamente a calça e entrou correndo com uma carinha de “aaaiiii”.

Tranquei a porta da cozinha e me dirigi à sala para acompanhá-la.

Mas estava, na sala, tocando um CD de Canto Gregoriano.

A menina olhou prá caixa de som e deve ter achado tudo muito bizarro. Agradeceu e... correu mais uma vez.

Eu fiquei imaginando a pequena falando para a mãe:

“Mãe, eu peguei a calça,mas eu não vou mais lá. É tudo louco. A única diferença é que uma é louca varrida e a dona Vera é doida também, mas , pelo menos, não morde”.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 04/09/2018
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