O movimento dos sonhos

Mais um fim de noite. Mais uma vez, na quarta-feira, minha noite universitária terminava num declínio da alegria à monotonia. Acabava de sair da minha última aula e buscava preencher esse vazio no animo causado pela sucessão de nomes como: administração, gestão financeira, receita, recurso. Não creia, leitor, porém, que desprezo tais conhecimentos. Contudo, a única coisa que me mantinha desperto era a Nocturne de Chopin, diga se de passagem, que torna sublime qualquer momento e sensível qualquer insensível. Ao final da aula, recolhi minhas coisas e junto dos meus amigos entrei na van que me levaria para casa. Tentava naquelas conversas ter a mesma experiência que um autor cego, perdão por não recordar o nome, que alegava ter em sua mente e coração o melhor de seus romances, apesar de, diferente dele, ainda em mim haver as disposições necessárias à arte das palavras.

Começamos a descer a serra velha, então vi que as estrelas tinham descido dos céus e repousado sobre a visível extensão carioca. Tal beleza, aliada à conversa sobre cinema entre nós, fez me lembrar da minha única visita ao Odeon, na Cinelândia. Seria possível remontar ao passado, quando de fato os cinemas ornados de magnanimidade e jovialidade reinavam naquele lugar? Fascinante foi para mim a descoberta de que aquela região era um jardim real do cinema. Afinal desde 1920 várias salas foram estruturadas onde antes havia o projeto da Times Square brasileira. Dos grandes nomes que reinaram, podemos citar o Cinema Palácio, o Vitória, o Parisiense, o Capitólio. Todos predicados como majestosos ou inesquecíveis. Naquele dia, presenciei junto a uma amiga o único sobrevivente dessa realeza e este ainda demonstrava seu esplendor, hoje ainda crescente, que nos encantava e encanta. Grandes são os cuidados em relação aos que querem contemplar seu coração: a sétima arte. Ainda mais aqueles que queriam participar da realização de tal arte. Ideais grandiosos, certamente inocentes, foram gerados no meu coração com aquela visita. “Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, como dizia Glauber Rocha. Tais eram os sonhos e encantos de jovens em anseio cineastas.

Subitamente, fui tomado pelos ventos gelados do presente, a serra havia acabado e precisava ficar atento ao ponto que seria diferente naquela noite. Havia algo diferente em meu coração após tais recordações. Lembrei que há muito escolhi o magistério e a literatura ao invés das câmeras. Acredito, todavia, que o ideal se transportou para outras artes. A monotonia passou e, mesmo que amadurecido, o sonho ficou.

Daniel Saldanha
Enviado por Daniel Saldanha em 07/09/2018
Reeditado em 14/09/2018
Código do texto: T6442168
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.