FÉRIAS E A CAVALERA

Finalmente tinha pousado no Rio de Janeiro...

E era tudo que eu precisava. Um novo cenário, restaurantes diversos, cariocas e compras, muitas compras...

Cada dia que colocava os pés para fora de casa, eu me distanciava de qualquer preocupação e me aproximava do bem estar e estilo de vida que estava acostumado a ter.

Essa era um tipo de férias diferente das convencionais, não era de trabalho, nem escola, ou de qualquer outro compromisso, era simplesmente férias da minha cidade, do meu passado.

E em mais uma noite típica carioca me joguei pra fora de casa...

A primeira parada era em uma missa de um ano de falecimento do irmão da amiga de minha avó, conhecida como Sal. Era em uma igreja no Leblon, e para minha surpresa lotada. Os cariocas deviam estar muito desesperados por alguma ajuda divina ou estavam pecando demais...

Eu sinceramente nunca me senti bem em igrejas, sempre me causam claustrofobia, igual a elevador lotado... e essa em especial, que o padre falava uma desconhecida língua, onde eu só entendi a parte do “Amém”.

Ao olhar à minha volta, deparei o quanto nós precisamos nos sentir seguros, fiéis a um Plano Superior... tinha gente de todos os tipos, velhos, novos, pobres e ricos...

Eu já não agüentava mais aquela aeróbica de levantar e sentar, queria me jogar em outro templo, o do consumo. Mas ao me ocorrer aquele pensamento, me senti mal, eu de fato era um pecador, pensar em dinheiro, compras... na igreja!?!?!

... Até eles passarem a sacolinha e me lembrar que não havia muita diferença entre o meu templo e o deles. Todos obedeciam às mesmas leis, a de Deus e a dos homens. Com isso notei que alguns para se sentir bem vão para a igreja, eu ia para o shopping e o consumo era minha religião.

Lá estava eu, caminhando, paquerando e lógico, consumindo...

Já tinha comprado uns DVDs, parado na Saraiva e babado em três ou quatro livros, só faltava me decidir, Triton ou Cavalera?

Eu não teria tempo de ir nas duas naquela noite, e se bem me conheço, passaria horas experimentando, e sofrendo entre as opções...

Resolvi por Cavalera, Triton já tinha sido figurino de cenas passadas... estava na hora de inovar, era essa a idéia. E foi isso que fiz...

Vendedores simpáticos, roupas de grife e minha mão coçando. Aquele de fato era meu habitat natural...

Alguns minutos depois e lá estava ele de volta trazendo várias peças de roupa, é impressionante como vendedores bons sabem quando a vítima sofre de bom gosto e mostram os melhores modelos da loja...

Após provar uma por uma, me deparei com um blusa diferente, ela me olhava e gozava da minha cara, era vermelha, cor que há anos eu tinha proibido a mim mesmo.

Não era por causa de nenhuma seita ou trauma de infância. Era apenas um cor que me agredia, me causava aflição ou outra sensação desconfortante.

Mas não custava experimentar, estava apenas eu e ela no provador, e foi o que fiz...

E para minha surpresa, ela tinha o caimento perfeito, e sua cor já não me incomodava mais. Não sabia o que aquilo significa, se era o seu corte, o cheiro de novo, mas eu não queria tirar ela do meu corpo.

- Eu levo! – afirmei ao vendedor separando as peças que iam das que não iam, e a vermelha estava nas que voltariam comigo pra casa.

Com ela já na sacola, ao analisar, não conseguia entender o por que de tal privação?! Da onde surgira? Como surgira?!

Será que todos nós acabamos nos privando de certos prazer sem notar? Nos castramos por motivos ocultos?! Porque de fato, deveria haver algum motivo para não usar vermelho, pois não era nem questão de gosto, e sim de uma aflição! Agora via que era infundada e sem sentido.

Era impossível não pensar, “Será que bloqueamos o nosso caminho, deixando de inovar e experimentar?”

Alguns dias tinham se passado e eu precisava usar as novas crias, estrear com grande estilo, na primeira oportunidade já tinha um compromisso, ir até uma loja de eletrônicos e ajudar a Sal a comprar um aparelho de som novo.

Estava no quarto de hóspedes escolhendo com qual roupa eu iria, e de todas, a vermelha implorava para ser usada, e eu não resisti ao seu jeito chamativo de pedir o que queria.

Assim nós fomos, eu, Sal e a Cavalera vermelha...

E nesse dia eu descobri o poder da tal camisa, era como um ímã, que atraía olhares a toda hora. Eu estava tranqüilo, bonito e vermelho... pela primeira vez em muitos anos, vermelho.

Logo quando entramos na loja, a vendedora se pôs a ajudar nas compras, sorridente, até demais.

Porém, gosto de estar livre quando estou caçando esses tesouros eletrônicos, e só chamá-los quando de fato for consumar a compra.

Procura daqui, procura de lá, novos olhares de desejo, o que estava acontecendo???

Para a cromoterapia – ciência que estuda as cores – indica que devemos usar a cor vermelha quando precisamos de coragem, e força de vontade. E quando estamos querendo atrair alguém, já que causa um grande estímulo sexual.

Talvez começar a usar o vermelho não era uma má idéia. E entre um pensamento e outro bati os olhos no TAL aparelho, ele era perfeito, fino, potente, com lugar para quatro cds, moderno de uma ótima marca.

E ao mostrar, fora paixão a primeira vista. Era aquele e estava fechado. Era a hora de chamar a vendedora de novo.

Bonita, muito alta, de pele morena e sorriso estampado ela disse:

- Ótima compra! – e sempre me encarando.

Enquanto ela registrava os dados no computador eu e a Sal engatávamos uma conversa sobre surf e no meio do papo, Sal comentou sobre a tal prancha ser maior do que eu, que meio rindo falei:

– Ok, isso também não é muito difícil - já que a altura não é o meu forte.

A vendedora parou o que estava fazendo e nos olhou, dizendo:

- Não acabe com você. Os melhores perfumes estão nos menores frascos.

Um ótimo elogio vindo da mulher de quase 1,80... era uma cantada declarada. E pela primeira vez não era só a blusa que estava vermelha, eu mesmo começava a corar.

Naquela noite eu descobri que o vermelho não é apenas uma cor... e sim um estado de espírito que entra nas nossas entranhas, nos fazendo arder, atraindo olhares, como abelhas atraídas pelo mel.

Que talvez fosse a hora de não renegar e proibir de primeira, porque mesmo se a primeira experiência não for muito agradável, temos que ter em mente que as coisas mudam, e as situações também. Com isso inovar e experimentar era uma boa pedida.

Porém, não sabia se era apenas a camisa, se era a cor, ou simplesmente era eu... mas aquele dia ficaria para sempre lembrado como o dia que eu usei a Cavalera vermelha.