CRIANÇAS DIGITAIS

Tiaguinho, 9 anos, curtia euforicamente as fases de seu PlayStation 4. Nada além de Ratchet Clank ou The Last Tinker, num ângulo de 360 graus, num raio de 10 quilômetros. Olhos esbugalhados, dentes serrados, caras e bocas, transpirando em bicas e o traseiro cravado no sofá da sala. Bem próximo, um copo com suco de laranja morno e alguns biscoitos intactos, deixados pela mãe na tentativa de trazê-lo de volta à Terra. De súbito, um míssil atravessa a vidraça da janela ruidosamente, estilhaçando-a em milhões de pedaços, quicando-lhe forte na cabeça e fazendo seu boné voar longe.

Tiaguinho tenta entender o incômodo episódio olhando ao redor.

— Como assim? — Quem ousaria interromper sua fase vencedora, seu game over vitorioso? Pousado no canto da sala estava lá, o invasor. 

Olhou, olhou... e de novo olhou com mais atenção: lembrava de ter visto algo parecido com aquilo em um game. 

E eis que surge esbaforida Dona Carolina, mãe do garoto, olhando para todos os lados. Olhou e viu Tiaguinho parado, tendo nas mãos uma... bola.

— Ô meu Deus, você está bem, querido? 

Nossa! Esses maluquinhos da casa vizinha chutaram essa coisa e quebraram a vidraça da janela. 

Pois vão se ver comigo — e saiu para o quintal pronta para dar-lhes um pito daqueles. Para sua surpresa, os meninos e meninas ouviram resignados suas indagações, obtendo ainda a promessa de reparo da vidraça de sua janela, junto a seus pais. Já recompostos, voltaram a brincar, como se nada tivesse acontecido.

Sem entender, Tiaguinho olhava aqueles personagens saltitantes. Que "game" era aquele, quantas eram as fases? Onde se conectavam aquelas criaturas?

Tão distintas do que via nos gráficos na tela dos dispositivos. 

A qual versão PlayStation pertenciam? Era tudo muito estranho!!! 

Pulavam, gritavam, riam, subiam nas árvores próximas, algumas meninas brincavam de roda, outras jogavam amarelinha, enquanto os garotos já retomavam à partida de futebol, sem que fossem abatidos como nos games. E ao voltar para casa Dona Carolina reencontra o filho parado diante da TV, lívido, tentando inutilmente religar seu módulo de controle do PS4. Havia acabado a energia elétrica. 

Era a chance que ela tanto esperava para tirá-lo da frente daquele congelador de músculos digital.

Sem demora, foi ao quintal para conversar com um dos meninos.

Pouco tempo depois, surge o pequeno Leo convidando Tiaguinho para brincar. Sem energia elétrica para jogar o PS4 e já sem muita paciência, acabou aceitando o convite. — Yessss!!!!! —, dispara intimamente Dona Carolina. Algo inusitado acabara de acontecer naquele momento!!! 

Talvez um Tiaguinho novo e diferente daquele dos games esteja surgindo, rompendo com o vício digital e envolvendo-se em algo dinâmico, que o faria também saltar, correr e brincar como a maioria das crianças. Um universo analógico inédito para Tiaguinho, que só tinha olhos para controles e consoles exibindo games tipo Little Big Planet, Knack e tantos outros. Dona Carolina sorri um sorriso intenso. Uma chance de vida nova para Tiaguinho!!! Game Over!!!