Andressa a manicure sem sonhos

Quarta-feira quente são 9 horas da manhã e está sentada na cadeira do salão de beleza, esperando pelo atendimento de uma manicure. Ana lê um encarte de supermercado que um menino lhe entregou na rua minutos antes. Ela adora ler e sempre tem um livro por perto, revista, folhetos o que for. Acordou naquele dia com vontade de passar esmalte vermelho em suas unhas que significavam coragem para ela. Nos últimos anos, desejava por essa cor, mas sempre voltava para casa com as unhas cor “ paris, leite de coco ou renda”, eram as mais discretas que conhecia. Em seu intimo queria vermelho vivo, mas faltava ousadia. Assim como gostava da ideia de usar batom vermelho, mas raramente conseguia. Até passava, desfrutava o momento e logo tirava. Estava decidida, chegaria a casa com unhas vermelhas e ponto final. Seria um agrado para ela mesma, nem que durasse um dia apenas. Cada vez que olhasse para suas mãos apreciaria suas unhas e lembrar-se-ia do quanto é corajosa. Para outras pessoas poderia ser uma atitude ser importância, mas para ela não era bem assim. Fazia alguns anos que não sentia essa audácia vinda de dentro querendo explodir, estava confiante e feliz.

Mal terminou de ler as promoções do papel e aproximou-se uma moça com sua cadeira que já vinha acoplada uma mesinha, juntamente com seu material de trabalho. Seu nome é Andressa, assim se apresentou. Moça de vinte e sete anos, cabelos vermelhos alisados com prancha, olhos pretos grandes maquiados destacados por longos cílios postiços, sorriso discreto e muitas tatuagens. Logo que segurou as mãos de Ana, começou a falar e falar. Falava fofocas vazias sobre isso e aquilo e aquele. Ana gosta de fofocas, mas prefere histórias. Já prevendo que ficaria naquela cadeira pela próxima hora seguinte, pois levaria meia hora para fazer as unhas e mais meia hora pelo menos, esperando secar e não queria deixar borrar, pediu à moça que lhe contasse uma historia interessante, podia ser de um cliente ou dela mesma. Ela respondeu que em seu trabalho é como uma taxista-padre, onde passam varias pessoas contando historias durante o dia no expediente, mas como um padre ouvindo confissões, jamais revelava o que lhe era confiado. Ana se surpreende, e pensa consigo mesma, como confidente não pode contar historias, mas pode contar fofocas? Como dona de casa é ótima investigadora por natureza. Está decidida que vai arrancar-lhe uma historia.

Já foram lixadas, tiradas as cutículas e passada sobre suas unhas uma base. Andressa pergunta qual cor vai passar hoje. Ana responde confiante:

- O vermelho mais vivo e mais intenso que você tiver!

Andressa volta com o tom “40 graus”, um super vermelhão . Ana repara na tatuagem no punho esquerdo da moça onde esta escrito André e um coração desenhado ao lado. Então pergunta:

- Você tem um André em sua vida? - é curiosa nata, precisa de respostas.

- Meu grande amor. Estamos juntos há sete anos. Minha história é normal e sem graça, você vai ficar entediada de ouvir.

Viu que daquele mato não sairia cachorro, decidiu que seria a cartada final, uma ultima pergunta e se calaria, deixaria a moça em paz. Perguntou qual o maior sonho da vida dela.

- Não tenho sonhos. Venho de uma família pobre. Tenho um filho lindo, um marido que me ama, casa própria e um carro. Como posso ser ambiciosa de querer algo mais para minha vida?

- Daqui quatro, dez ou vinte anos .. Pretende viajar, estudar, fazer cursos?

- Isso não é para mim. Prefiro ficar assim!

Sentindo-se abelhuda e inconveniente Ana se calou. Reparou que enquanto a moça limpava os borrados do esmalte com um palitinho contendo algodão na ponta com acetona, refletia sobre o assunto. Uma lágrima escorreu borrando sua maquiagem ao mesmo tempo em que passava óleo secante nas unhas. Ana pensava calada o quanto era triste uma pessoa tão jovem não ter sonhos, não se tratava de ambição, mas de ter vontade de querer realizar coisas novas. Esperou o esmalte secar, despediu-se da manicure, agradeceu pelo serviço e pela conversa e foi pagar. No caixa, para sua surpresa, a moça lhe passou seu numero de telefone, e disse baixinho perto de seu ouvido:

- Me ligue daqui uma semana, por favor! Vou até sua casa se preferir, tenho uma cor para te mostrar, um roxo cintilante, você vai adorar. Vamos conversar, terei um sonho para lhe contar! Já nem sabia mais que poderia sonhar, mas você me fez acordar! Muito obrigada, foi um prazer te conhecer. Qual seu nome mesmo?

Ana respondeu e foi embora sorrindo por dentro. E quanto ao seu dia, foi realmente intenso e destemido? E como foi! Mas isso já é outra história.

Helena Douthe
Enviado por Helena Douthe em 28/09/2018
Código do texto: T6462437
Classificação de conteúdo: seguro