Realidade virtual

Ah essas digitais que rolam a tela com o desejo dos animais salivantes e famintos. Carentes e escondidos no anonimato do quarto se deliciam com fatos, fotos, poses e sorrisos de marfim; tão artificiais quanto o sentimento que afloram em mim.

O led da tela que ilumina minha retina, transpassa a camada fina da dor que culmina na lágrima repentina da solidão que domina, mastiga e cospe a vergonha momentânea da frágil conquista, que não é amor é cobiça.

Likes e lucros de seres soturnos, mascarando amizades com interesses obscuros nas intenções abissais de seres ocultos e infantis, meros mortais.

Esse poder frágil, instável e destrutivo, que tão rápido arregimenta grupos ou faz inimigos, traduz nossa frágil condição humana de desvalidos de amor e de princípios que a pouco tempo atrás nos bastava e nos mantinha unidos na esfera da sala, dos laços e abraços quentes e carentes de afeto genuíno.

Pobre geração de caminhantes solitários que se viram intimados a entrar e sair de armários, que nunca estiveram lá. Apenas virou ordem do dia hastear bandeiras, que outrora eram apenas conversa de cabeceira nas condições perenes da beira do túmulo do esquecimento eterno. Hoje não mais identidade, mas pauta que confere genialidade a uma nova ordem da humanidade que se desfaz. Vida não gera mais. Cadeias mentais da falsa liberdade desconectada da moralidade que nos dava a sutil identidade que nos fazia iguais, serenos, éticos, crédulos e banais.

Somos agora tão divididos em classes, preferências, libertários e enrustidos, separados e partidos por siglas, dinheiro, canudos, artigos e esquecemos que o que nos unia nos tornava mais bonitos; àquela ingenuidade, agora patética, nos fazia mais sérios sim, e foi com ela que nos construímos.

Hoje, sedentários, criamos cães e gatos, deixamos de ser ordinários e gentis, pelo poder desse estado das coisas profundamente sutis.

Estamos inconscientes, inconsistentes e famintos de amor; a tecnologia impulsiona, porém nos segrega, individualiza e não dá calor.

Isolam-nos em bolhas a tal ponto, que um celular de última geração é o que nos atribui valor e nos permite divulgar, a qualquer hora e qualquer lugar, cenas de sexo, drogas, morte, corrupção, lascívia, horror e toda a dor que pudermos suportar nessa Babilônia tecnológica cheia de fulgor.

O quarto é o mundo dos que sofrem calados seu desespero profundo, a solidão dos órfãos de afeto, dos agentes secretos mudos, mas diletos em suas digitais. Não suportamos mais!

Entretanto, nem tudo ainda está perdido, uns poucos sobreviventes, persistem em postar e apostar na geração que cresce descendente desses poucos, que ainda acreditam que menos é mais. Não têm vez nem muita voz, porém, ponto a ponto, conseguem desatar alguns nós que nossa própria permissividade e insana curiosidade nos fez esquecer nossos pais e avós. Teremos que dar um passo atrás para avaliar onde erramos e tomar impulso para o que objetivamos nos diferenciar de tecnológicos animais e nos tornarmos novamente humanos, com sonhos e planos de um mundo inclusivo, abraçando o que veio, mas extirpando os detritos, que só pela educação para uma nova concepção com tolerância inteligente será capaz.

É fato que, em um breve relato, jamais poderia descrever tudo que nos fez regredir a menos que amebas mentais, contudo, uso do texto para alertar ao cego e gritar ao surdo que, do jeito que está essa roupa não nos servirá mais. Terminaremos pelados, enjaulados, pior que cães adestrados, manipulados pela mídia e por um espectro nefasto de um grupo que não se dá a conhecer. Sinto um temor e terror profundo do que essa conspiração contra o ser humano poderá fazer. Acho burrice extinguir o que nos confere a vida. Será que pretendem destruir a própria casa e sumir com o ouro para uma galáxia escondida? Por enquanto a Terra e seus habitantes humanos é só o que temos de concreto; fora daqui tudo é insólito, pouco provável e incerto e por isso não podemos permitir continuar a levar essa vida de inseto, dedetizados por armas nucleares, divididos por partidos, paramilitares e grupos sociais que não nos enxergam como seus pares. Pior do que sermos dizimados de fora para dentro é ser de dentro para fora, da natureza nossa mãe ao sentimento que nos devora, matando sonhos e esperanças dessa geração estúpida que não sabe que na verdade implora por cuidado, amor e paz.

Rose Paz
Enviado por Rose Paz em 29/09/2018
Reeditado em 30/09/2018
Código do texto: T6463183
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