VOLTAR A SONHAR!

VOLTAR A SONHAR!

FlávioMPinto

A manhã não parecia apresentar-se boa para Adélio. Ainda não deglutira o churrasco que fizera com os filhos no dia anterior. Não conseguia entender o comportamento dos seus rebentos depois de uma vida inteira de sacrifícios por eles, rodando em inúmeras cidades do Brasil, desconhecidas, mas como oficial do Exército tinha de ir morar lá e viver com sua família. A cada movimentação era incessante a procura de local para morar e colégios para os filhos. Se bem que, Adélio sempre procurara antecipar-se e conseguir ser transferido para locais de bom acesso á família e colégios. Mas eram mudanças de hábitos, amigos, ambientes…O dinheiro era curto e os sacrifícios imensos.

Graças as transferências, seus filhos , dois casais, conseguiram matrículas em bons colégios e, próximos da universidade, estudaram em colégios militares conseguindo uma excelente base escolar dispensando caros cursinhos e passando na primeira seletiva aos cursos superiores, aliviando as despesas paternas.

Jandira, a mais velha, sempre fora destaque nos estudos. Mandona, sempre organizava a casa para a mãe sem ser mandada. Queria sempre ter a iniciativa. Assim foi no colégio militar alcançando o grau máximo em estudos entre os alunos. Sempre queria impor seus pontos de vista aos irmãos menores e muitas vezes conseguia.

Joubert decidiu seguir a carreira de jornalista. Inquieto, não gostava de ser mandado. Dizia que não tinha patrão, mas aceitava como um cordeirinho as ordens de um partido político que seguia, criando notícias falsas e reinterpretando fatos em favor de seus mandantes políticos. Era um poço de incoerências. Sempre falante, dizia também que era amigo de todo mundo, mas certa vez esteve doente e apenas recebia visitas do velho pai e da mãe. Assim como todos aqueles, que se diziam seus amigos, se afastaram quando foi despedido do Jornal do Dia. Era um arauto da discórdia nas notícias diárias da cidade.

Toninha, seguira a carreira de advocacia e militava na área dos direitos humanos e foi incapaz de agir em defesa do seu pai, num dia que a casa foi assaltada e os dois, pai e mãe, ficaram reféns sendo maltratados por meliantes durante quase uma manhã inteira. Se não fosse a interferência armada de um vizinho, seriam assassinados cruelmente. No dia do acontecido, dirigiu-se á delegacia para defender três meliantes, que foram presos em flagrante por assalto. Por sua cegueira ideológica, não se deu conta do lugar onde ocorrera o fato, a casa dos seus pais, e que eles eram as vitimas. Após conseguir a liberdade dos meliantes, soube quem eram as vítimas e simplesmente calou-se como uma pedra. Nem uma gota de conforto dirigiu a seus velhos pais, enquanto era cumprimentada por movimentos sociais. Fria, insensível, se mostrou aquela que era a filha mais doce de Adélio.

Jadir, o mais novo, era professor do ensino médio e também um ativo membro de um partido esquerdista. Insuflava seus alunos, deturpava fatos históricos, injetava assuntos materialistas e comunistas na mente das crianças.

Todos os quatro filhos batiam de frente com comportamento de soldado de Adélio. Decente, patriota, legalista, bom cidadão e bom pai, não conseguia entender que os filhos foram doutrinados nas universidades bem longe de seus olhos e já estavam fora de seu alcance de correção de rumos. Lembrava seguidamente o caso do assalto e se entristecia muito. Cada reunião em casa parecia um comício esquerdista.

“Onde foi que erramos, Josélia”perguntava seguidamente á mulher.

D.Josélia, totalmente dedicada ao lar, ao marido e aos filhos, simplesmente dizia-“Foram as amizades erradas deles desde a faculdade, meu bem, coisas que não tínhamos controle”.

“Temos de tomar uma decisão, pois temos quatro filhos que não pactuam conosco.

Nem parecem que são nossos filhos. Vamos buscar a nossa tranquilidade. Já sei o que fazer. Ainda temos saúde!“ diz Adélio com ar cansado.

“Que tal passarmos uns dias na casa da minha irmã em Bauru?”diz Josélia.

“ Faremos melhor: lá estão teus irmãos e dois meus e nos damos muito bem. Gostamos muito das suas famílias. Vamos nos mudar para lá. Que achas?” responde Adélio.

“Uma excelente ideia. Teu irmão é corretor e vai nos ajudar a encontrar um bom apartamento, alugamos, nos mudamos enquanto colocamos esta casa para venda. Está decidido. Telefone para o Alberto e o informe. Ele sabe do nosso gosto e estilo de vida e vai nos ajudar. Tenho a certeza. Vamos nos preparar” complementa mulher.

“Precisamos voltar a sonhar” complementou o velho pai com a companheira de tantos anos de sacrifícios.