REFLEXÃO ELEITORAL

Muito já se falou (fala-se, ainda) sobre a natureza calma e passiva dos brasileiros.

Quem assiste, porém, aos embates políticos cotidianos, nesta época eleitoral, em que exteriorizamos o que temos de pior em irascibilidade, intolerância e arbitrariedade, presumirá que a propalada serenidade brasiliana é fantasia poética, ou se esvaiu, na direta proporção da extinção gradativa dos naturais (os indígenas).

Temos a péssima mania de caracterizar os que categorizamos como oponentes, rivais, dissidentes, ou apenas pessoas incômodas, como demônios em forma de gente ou bestas, que não sabem fazer o “O” com o copo. Quem não concorda comigo é desinformado, alienado, fútil ou faz jogo duplo. Taí a história para atestar o que afirmo, estão aí os “experts” para confirmar o que defendo, eis as notícias, que mostram o oponente fazendo o diabo, cá estão evidências de que meus simpatizantes são pessoas santas, o mundo inteiro considera minha plataforma a única válida, e meu oponente é um atraso, um retrocesso, tudo de ruim.

Talvez pensem que estou falando de apenas um partido em direção a outro, mas vejam que se usarem um mínimo de empatia, colocando-se, por instantes, no lugar do outro, verão que o parágrafo serve para exemplificar os dois lados da polarização e ainda sobra pra outros.

Fala-se muito nos defeitos de um candidato militar, atribuindo-lhe todo tipo de atitude má ou polêmica, mas eu pergunto: “Quem de nós já não agiu assim? Mais de uma vez?”

Vejo muito candidato sendo tratado como vítima, que já vi, pessoalmente, agir e falar de modo homofóbico, racista, misógino, e isso não é nenhum segredo, pois foi registrado pela mídia dos anos setenta, oitenta e noventa. E isso não aconteceu vez ou outra, mas em muitas oportunidades, até recentemente. Repito o que sempre digo: “Ninguém é santo ou inocente!”

Se há, entre nós, pessoas que nunca tenham falado ou agido arbitrariamente, utilizando linguajar chulo, tentando se impor perante outro ou outros, intempestuosamente, são uma reles minoria, porque quase todos já fizemos de tudo um pouco (ou muito). Somos homofóbicos, racistas, exclusivistas e mais um monte de coisa ruim, só que em muitas situações, ao invés de ostentarmos nossa feiura filosófica, preferimos envernizar nosso jeito de ser com brincadeiras, apelidos, pseudo carinhos, ou então partirmos para desviar a atenção de nosso procedimento, ao atacar quem, pretensamente, está evidenciando algum erro (a melhor defesa é o ataque), e há ainda a estratégia de nos engajarmos num movimento ideológico que privilegia o discurso macro, em detrimento do micro, o que quer dizer, propagar um sistema coletivo, impessoal, ao invés de enfatizar a iniciativa individual, como primeiro passo para qualquer mudança.

Devo enfatizar que não defendo ou acuso ninguém, categoricamente.

Não vejo com bons olhos nenhum dos candidatos, por considera-los ineptos.

Não acredito e nunca acreditei na ideia do menos pior.

Não aceito a tola afirmação de que é anticívico não aderir ao evento eleitoral vigente, pois nosso sistema é péssimo, falho, complicado e tendencioso. Só o fato de esta eleição ter a necessidade de escolha de seis candidatos, começando por um deputado federal, e pondo em último lugar a escolha do presidente, já demonstra burrice ou má fé de quem organizou todo o esquema. Para abrilhantar mais ainda a estultícia, temos a informação de que se o coitado do eleitor esquecer de votar em um dos seis candidatos, seu voto é nulo. Isso é algo decente?

Num país em que a maioria dos cidadãos tem pouca escolaridade (ou nenhuma), em que muitos (muitos, mesmo) só sabem escrever o próprio nome e alguma coisinha mais, exigir tanta destreza, num momento de importante opção (pois raramente o povo se pronuncia), é querer ver a vaca ir pro brejo, querer dificultar (por que motivo?).

Seja como for, não há o que fazer a respeito, pois nossa democracia é impositiva.

Basta dizer que quem critica, costuma ser calado ou coagido, de alguma forma.

Liberdade de expressão é uma utopia, que como o Saci,continuamos acreditando existir.

O governo só será, efetivamente, do povo, se puder ser exercido pelo povo, direcionado para o povo, a partir de uma mudança em nosso modo de ser e agir. Enquanto não vivermos de modo exemplar, sem tentar lucrar sobre outros, conseguir vantagens, disputar, desrespeitar, impor, agredir, dividir, ao invés de unir, asserenar, ajudar, contribuir, consultar e buscar a paz, a cidadania estará comprometida, independentemente do que se tente estabelecer em comum.

Nenhum sistema consegue governar pessoas que não se governam.

Cada um de nós é uma célula do corpo coletivo da humanidade. Temos de curá-la!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 06/10/2018
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