Sangue pisado
Minha maldade se diz presente nas encostas desafinadas da alma, por vezes áspera, por vezes açucarada.
Ela rumina seus encantos com soberba e esguia vértebra, deixando-se esvair pelos galopes da razão entre goles desanuviados de fé.
Minha maldade impera com infinitos séquitos, que se escoram nas suas ancas com furor de tubarão, sem olhar para trás.
Quando permito que fique na deriva dos meus passos, deixando à mostra a anágua encardida de tantos medos, desembesto os grãos sorrateiros que guiam nas geleiras sórdidas do coração.
Minha maldade é pegajosa. atroz, dissimulada.
Pouco sabe dos meus vãos proibidos, pouco entende do que ancoro nos rincões engasgados do entendimento.
Seus tentáculos de camaleão chicoteiam sem trégua cada câimbra manca que ouso ninar.
Ela se faz mandatária nos empoeirados e enfartados cordéis que trago setenciados no peito - um após o outro.
Tenho um escarcéu de maldades escorrendo de mim, se tenho.
As deixo discursar quando bem quiserem, afiando suas garras envenenadas nos calos da minha pele, feito tumor dilacerado do querer-bem.
Das minhas maldades no estilo de cantiga-de-roda preservei suores que deixo sorrir sempre que posso.
Sou baluarte dessa caatinga puída, que me faz ninar entoando versos que embriagam vãos poentes e ainda pouco abençoados.
Deixo cada soluço das minhas maldades enlaçar suas querelas sem sangue pisado.
Faço entreter as fronhas empedradas do meu cantarolar com resoluta dimensão.
Daí, desfolhado numa maldade acéfala e cortês, me sacudo até o tempo cicatrizado rugir de vez, num repente engordurado e fugaz.
Então, apossado de mim mesmo na mais atônita voz, vou pra cama deixando meus ecos mancos nos chãos percorridos.
Porque minha maldade mais cinderela, que tanto temia relar, agora é a atriz principal nesse boteco secreto e servil.
Nessa hora vou afogar minhas plateias arrancando delas seus pelos, seus cheiros, sua voz.
Então posso morrer, por certo.
Porque meus deveres de casa foram cumpridos com louvor.