FEITO PARA NÃO SER ENTENDIDO

O celebrante da missa dominical no dia da Santíssima Trindade tentou definir “mistério” como aquilo que, de tão complexo, foge à compreensão humana. E mais, o Criador teria deixado para as criaturas humanas muitos mistérios que, por sua natureza, nunca hão de ser compreendidos, mas aceitos como dogmas.

Seja qual for a religião monoteísta, difícil contestar dogmas. Primeiro e sempre, porque não são contestáveis. Mas, alguns cabem remendos. Nem tudo que foge à compreensão humana tem que ser obrigatoriamente mistério imposto pelo Criador. Na área comportamental, então, a dificuldade para se entender besteiras e genialidades protagonizadas pelos pobres filhos de Deus aumenta a cada novo habitante do planeta. O que leva os experientes de cabelos brancos a admitir que a maioria dos seres humanos nasceu para não ser entendida. Nesse caso, sob a estrita lógica de sacerdote, pessoas com esse perfil seriam misteriosas e consequentemente um dogma. Curioso é que, assim sendo, o próprio celebrante e sua explicação, com generalização obscura, poderia ser incluído na categoria de dogma.

Claro que não é fácil compreender e prever o comportamento humano, pelo seu elevado grau de complexidade, com variáveis e variação de variáveis. Por conta disso é que a psicologia barata, de alcance popular, é campo aberto às aberrações racionais. Faz-se dela um colchão de dogmas não divinos, onde frouxos conceitos, travestidos de teorias, são acatados como verdades não sujeitas a verificação. Comumente é infestado de generalizações primárias e simplistas, forjadas e repetidas sob vários sotaques há mais século. Facilmente aceitas porque encaixáveis em raciocínios preguiçosos pouco empenhados no questionamento e nada rigorosos com a lógica, nem com a veracidade dos fatos. Por isso, fazem parte dos diálogos das telenovelas, dos palhaços de picadeiro, das conversas de esquina e até de velórios. Contudo, dificilmente aceitos no mundo do conhecimento sério, principalmente pelos habituados ao raciocínio escorreito, exigente em explicações e causas. O ruim disso é que a banalização de assertivas genéricas sobre o comportamento humano já conseguiu até formar escola e reger muitos cursos superiores de psicologia.

A formação de psicólogos apenas pela leitura de dois ou três compêndios e alguns relatos de consultório de “analistas” não pode chegar a um confiável profissional capaz de lidar com diferentes manifestações comportamentais, principalmente as psicopatias.

Mas, infelizmente, é assim que hoje se forjam psicólogos nos cursos noturnos de estabelecimentos – geralmente pagos - mal estruturados em seu corpo acadêmico e sem laboratórios experimentais. Muitos nem conduzem os alunos ao conhecimento e discussão de trabalhos experimentais. Por isso, terminam por formar uma escola interpretativa de conceitos pouco ou nada fundamentados, prenhes de incoerência com a razão.

Dessa escola saem entusiasmados “psicólogos” com vontade de comprar um divã estampado de florezinhas para, numa sala mal iluminada, ao som de música fúnebre, indagar e ouvir o que não ajuda em nada na solução de qualquer problema comportamental.

Por esse tipo de curso, feito acima do joelho, não se produz um cientista do comportamento, como deveria ser. Mas, sim, interpretadores de sonhos e de ocorrências passadas. Consultores sentimentais, na verdade. É uma tentativa de enquadrar o indivíduo analisado dentro de alguma categoria, coletivizá-lo, rotulá-lo para aplicar-lhe as recomendações elencadas em algum manual acadêmico. Fora isso, nada, absolutamente nenhum procedimento que possa ser chamado de ciência.

Aliás, nem se pergunte se, com essa precária formação, o profissional do comportamento sabe conceituar um problema; como identificá-lo, dissecá-lo; identificar suas variáveis, os controles aplicáveis e outros procedimentos de natureza científica. A disciplina “metodologia científica”, se constante de seu currículo, foi vista como diversão, perda de tempo. Enfim, algo desimportante, superado para efeito acadêmico com a apresentação de trabalho primário copiado da internet.

O pior é que os profissionais do comportamento desse naipe são produzidos aos montões, como formigas, dominando o setor pela quantidade e não qualidade. Pois bem, são esses os incumbidos, por regra, de entender o comportamento humano. Para complicar, some-se a isso o fato de que a população mundial aumenta significantemente a cada instante e, com isso, diversifica ainda mais o comportamento humano.

É por essa razão que, voltando ao início deste texto, cabe a hipótese de que o ser humano está longe de ser entendido em seu comportamento. Se bem que ainda nos resta esperança nos profissionais que trabalham em outro estilo, sério, científico, onde as explicações não são etéreas, mas fundamentadas na biologia, na fisiologia, principalmente do sistema nervoso.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 12/10/2018
Código do texto: T6474603
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