A CAIXA PROIBIDA

Abri a caixa proibida, tinha memória nela que não cabia mais. O tempo das coisas é diferente do tempo que ronda os corações. Dentro da caixa havia cartas, fotografias e muitos mortos estampados em santinhos funerais. Quantos já morreram! Para os mortos, dei-lhes o meu descanso rasgando as desbotadas elegias breves escritas em papel revestido de película de plástico. As fotos arquivei porque quando olhei a primeira vez o que via era para sempre. As cartas testemunham o poder que as palavras têm de encurtar distâncias e por isso selecionei segundo o espaço que tenho no coração os remetentes: as de amor foram rasgadas como já deveriam ter sido há muito, as das minhas filhas serão digitadas numa nuvem de onde continuarão umedecer meus dias secos. Os mortos já tiveram seu destino.

O bom do tempo livre é estar pronto para a liberdade, eu crio nuvens para apascentar emoções. Agora a caixa proibida não está mais contida, a gente faz esforço desmedido para reter o passado. A caixa não é mais proibida, quase mais nada que fere ela contém. Ali dentro tem memória afetiva suficiente para eu seguir limpo. O mais era escombro e foi para o lixo.

Outro dia um menino leitor aluno tutorado meu me perguntou se não canso de ser 'guardador de livros', eu alcancei a graça dessa verdade e percebi a quantidade de caixas que nos guardam. E como também sou arremedo de cronista, escrevo esse episódio para ninguém no muro das desavenças certo de que a pouca tinta do realismo fantasia o encoberto.

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 13/10/2018
Código do texto: T6474877
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