MUNDO

vivemos um mundo onde tudo se resume em:

chegar e partir

chegar, de uma longa estrada,

e diante de uma porta que se abre entrar e permanecer

e partir de um caminho demasiadamente longo vivido

e deixar atrás de si só as lembranças

vivemos um mundo

onde o brilho do olho se apagou, como se apaga a transparência da janela com a primeira brisa

vivemos um mundo sem continuidade, porque os elos se quebram com as primeiras turbulências do ar

vivemos um mundo

de beleza efêmera onde os primeiros pingos de chuva derretem a maquiagem

vivemos desejando amanhecer antes que o dia acabe

e que a luz brilhe a todo instante sem que haja sol

que as estrelas se acendem sem permanência de céu

e que haja dimensão sem qualquer horizonte

vivemos um mundo

onde desejamos abraçar enquanto somos braços, mas não há corpos para serem abraçados

desejamos amar, mas no primeiro gesto de carinho somos açoitados como folhas ao vento, uma espécie de repulsa louca como se esse sentimento devastasse o planeta

vivemos um mundo

onde as pernas são substituídas por rodas

e as mãos já não fazem carinho porque já não são estendidas

vivemos um mundo

onde nós mesmos distorcemos os ponteiros da bússola e, sem norte, viramos assombração

fizemos com que o pêndulo do relógio desabita-se

o sino silenciasse na capela

e que as horas obsoletas não fossem repaginadas

e assim

vivemos um mundo onde não vivemos

e o livro fechado nos revela

que um dia vivemos um mundo que não existiu

Margarida Di

Margarida Di
Enviado por Margarida Di em 13/10/2018
Código do texto: T6474977
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