MUNDO
vivemos um mundo onde tudo se resume em:
chegar e partir
chegar, de uma longa estrada,
e diante de uma porta que se abre entrar e permanecer
e partir de um caminho demasiadamente longo vivido
e deixar atrás de si só as lembranças
vivemos um mundo
onde o brilho do olho se apagou, como se apaga a transparência da janela com a primeira brisa
vivemos um mundo sem continuidade, porque os elos se quebram com as primeiras turbulências do ar
vivemos um mundo
de beleza efêmera onde os primeiros pingos de chuva derretem a maquiagem
vivemos desejando amanhecer antes que o dia acabe
e que a luz brilhe a todo instante sem que haja sol
que as estrelas se acendem sem permanência de céu
e que haja dimensão sem qualquer horizonte
vivemos um mundo
onde desejamos abraçar enquanto somos braços, mas não há corpos para serem abraçados
desejamos amar, mas no primeiro gesto de carinho somos açoitados como folhas ao vento, uma espécie de repulsa louca como se esse sentimento devastasse o planeta
vivemos um mundo
onde as pernas são substituídas por rodas
e as mãos já não fazem carinho porque já não são estendidas
vivemos um mundo
onde nós mesmos distorcemos os ponteiros da bússola e, sem norte, viramos assombração
fizemos com que o pêndulo do relógio desabita-se
o sino silenciasse na capela
e que as horas obsoletas não fossem repaginadas
e assim
vivemos um mundo onde não vivemos
e o livro fechado nos revela
que um dia vivemos um mundo que não existiu
Margarida Di