Ranchadas ervateiras

No calor do verão de dezembro, janeiro e fevereiro ou no frio cortante dos meses de maio a julho, o aconchego próximo ao barbaquá ajudava espantar os bariguis , ou a amenizar as dores nas juntas provocadas pelo reumatismo e pelo peso dos tantos raídos já carregados nas costas dos nossos Hércules desengonçados. Não tinham nenhuma postura de homens. Suas feições pareciam com aquelas daqueles que lutaram as muitas batalhas e perdido todas elas. Foram os desbravadores desta Canaã sul-mato-grossense, em que muitos, literalmente, deram as suas vidas.

No outro dia lá estavam os kuimbaê-kuera de pé, acordados pelo mayordomo . A acaê já canta forte dizendo que os ervais os esperam. Plantilha nos pés, protegendo-se apenas dos espinhos e tocos, sem conseguir se resguardar das mboi-chini’s , jararacas, capitães-do-mato e outras bichas prontas para darem os seus botes certeiros e mortais, nem mesmo o mboeva-o , com seus poderes divinos conseguia dar um jeito e o caraí terminava por dar seus últimos suspiros em meio às angústias terríveis.

De repente ouve-se o grito do monteador :

— Caápe-heta la caá!!!

— ¡Buenas arvoreras , chamigo ! Referindo-se aos capões da boa erva, um ou outro paraguaio, homens que conheciam como a palma de suas mãos aquelas paragens. Tinha-se todo um cuidado no corte. O cabecilha – líder do grupo - homem muito experiente, a mando do patrão, sempre estava no eito pronto para chamar a atenção de quem cortasse erradamente a erva, e, também, fiscalizava os ervateiros trapaceiros que sempre procuram acrescentar a cancha de veado aos raídos – mato parecido com a erva-mate.

Os patrões, por pior que fossem, sempre alertava para as nhandu-cavaju, aranha de cor preta, extremamente venenosa. Sempre encontravam-na nos montes de lenha que vão para o barbaquá. O ervateiro experiente, quando sabia que um companheiro que fora picado por uma, já afirmava para cavar a sepultura daquele, porque a morte era iminente. Os ybinatã's, terríveis escorpiões negros, daí serem chamados de crias de Satanás, era outro perigo iminente para os peões ervateiros.

O jaguaretê era uma ameaça constante, ninguém se arriscava ficar sozinho ou distante dos guainos – amigos do eito. Segundo eles mesmos, era necessário mburear sempre - gritar enquanto trabalha - maneira de atrair a caá-yari – espírito feminino - que protege o ervateiro de todos os males, inclusive do felino dos ervais da fronteira.

Depois da dura lida do dia, por que não ir ao encontro de uma cunhataí ? Os mitãcaria-y, rapazotes de 15 a 18 anos de idade e os mais adultos iam para as bailantas que se faziam no pequenino povoado de Sanga Puitã e a um pouquinho maior Ponta Porã, eram sempre locais propícios para um entrevero, principalmente por causa do pouco caso que uma ou outra cunhá fazia a um já-jeroki - peão dançador -, como vingança, a mulher era rejeitada por todos, quem quebrasse a regra, sempre apanhava, se é que existia o tal que assim o fizesse.

O muchacho sempre vivia procurando uma bela chica sobre a qual pudesse cobrir com o seu chiripá - uma espécie de avental de pano grosso que o ervateiro usava envolto a sua cintura para proteger as genitálias e que garante a liberdade dos movimentos dos ervateiros. Estes acreditavam que se cobrisse uma determinada muchacha com este pano, ela se apaixonaria por ele, ou se já fosse casada com esta, a tal cunhá sempre lhe seria fiel.

Era difícil encontrar alguma mulher que poderia realmente ser chamada de cunhá-porã. Por mais que fossem bonitas, o batalhar no erval, ao lado de seus caraí’s sempre as deixavam mais velhas e totalmente ivaí’s.

Sem grandes ou nenhuma esperanças de vida nos ervais, muitos fugiam dos galpões em direção a Porto Felicidade, Añaretã, Camba-Cuá e tantos outros rumos, em busca de melhores ares. Sempre por meio do mato, nunca pelas arrieiras – estradas usadas para cambiar a erva até o porto – uma vez que os comitiveiros – a terrível polícia dos ervais – estavam de prontidão com suas traiçoeiras “comblein’s” sanguinárias. Muitos ficaram aleijados pelas surras que levaram com um mborebi-piré – chicote feito com couro de anta que nunca deixava sinais em quem apanhasse com ele, mas o efeito ficava por dentro: determinados órgãos internos ficavam destruídos. Se houvesse uma reincidência, a morte era a última solução dada pelos comitiveiros. Muitas cruzes se encontravam pelas arrieiras e sobre elas os curuso-paño – pano sagrado que era colocado sobre as cruzes para dizer que aquela morte foi muito cruel. Quando os cidadãos andantes viam essas cruzes com tais panos, sempre tiravam os chapéus e rezavam no mínimo um Pai Nosso para aquela alma que morreu de maneira tão atroz.

Hoje repousamos sobre as conquistas do passado, estamos sofrendo, e de uma maneira ou de outra sofreremos para que as futuras gerações vivam sobre as nossas vitórias e queremos dizer um dia que valeu a pena.

Aldair Lucas
Enviado por Aldair Lucas em 11/09/2007
Reeditado em 13/05/2008
Código do texto: T647540