5 am

Acordava todos os dias às cinco da madrugada, com o despertador aos berros. Sim, aos berros. Começava baixinho, dizendo: "acorda, vai trabalhar", e a cada vez que repetia, acrescentava um xingamento, e cada vez mais alto. Lá pela quinta vez, aquela voz irritante gritava muito alto um "Acorda seu filha da puta, viado, levanta da merda do colchão e vai trabalhar", fazendo irromper tumultuado de seus sonhos agradáveis; sua mãe sempre escondia o despertador em um lugar diferente, para impedir que ele simplesmente apertasse o botão e voltasse a dormir. Então levantava. Puto. Mas levantava.

Caminhava atordoado até o banheiro, acendia a luz e se olhava no espelho. (...) Contemplava sonolento sua face cansada com olheiras dignas de um viciado em heroína. Olhos matutinos, verde-musgo. Lavava as mãos, só então urinava, e voltava a lavá-las. Espelho...olheiras, sono do caralho. Abriu novamente a torneira e lavou o rosto. Aquela água gelada toda vez que tocava seu rosto de manhã, fazia seus olhos mudarem de tom, de musgo, para algo mais vivo, tipo folha. Vestiu-se, nem lenta, nem rapidamente; no seu tempo, pegou a mala e destrancou o portão, devolveu a chave e surrupiou um cigarro de sua mãe, bateu a porta atrás de si e saiu.

Era uma segunda-feira, e o machucava pensar que só conseguia viver aos fins de semana. Digo VIVER, com maiúsculas, sentir com intensidade. De segunda a sexta vivia no automático, assim, com minúsculas. O ponto alto eram as 4 horas e meia de sono diárias, onde encontrava quem quisesse, como quisesse, era livre. Mas isso são sonhos, e não há sonhos após o despertador. O maldito arauto da realidade, o que grita.

E imerso nesses pensamentos, entrava no ônibus, rumo ao trabalho. O primeiro deles. Quando dava sorte, ia sentado, o que não quer dizer acomodado, suas pernas eram grandes e mal cabiam naquele espaço. Mas isso era só o começo do estupro mental.

A viagem transcorria quase sempre sem incidentes, (quando não pegava no sono e passava do ponto, ou saía distraído antes do mesmo).

Sete e sete chegava na megalópole, descia do ônibus e fazia como todos. Corria. Atravessava o centro em direção ao terminal rodoviário, e tentava coordenar seus pensamentos com um certo reflexo necessário para desviar-se dos transeuntes. A opção 'automático', lhe tornava mais contemplativo, e mesmo depois de meses naquele lugar, ainda se deslumbrava com os edifícios, gostava de pensar que caminhava nas ruas de New York City, enquanto cantarolava baixinho a nostálgica 'someday' dos Strokes.

Terminal. As escadas rolantes estavam sempre abarrotadas, então sempre subia pelas inertes, dois degraus por vez, assim minimizava o risco de ser atropelado por alguém com mais pressa. Havia uma longa passarela, abaixo dela uma avenida, e sobre ela a correria. Passos largos, decididos, atentos, apressados. De frente vinham pessoas correndo, nem sempre atentos e muito apressados. Por vezes esbarrava em alguém e se desculpava, quando olhavam para trás, muitas vezes esbarrava e não se importavam. Demorou a descobrir o quão normal era tudo aquilo. Nada pessoal.

Seguia até seu segundo inferno coletivo. Esse o levava até a zona sul, lugar bonito. As ruas tinham àrvores (!), e haviam livrarias com café expresso, onde gostava de passar nem que fossem alguns minutos. Trabalho, modo automático, interatividade moderada e o olho sempre preso ao relógio. Quanto mais rápido aquele dia acabasse, mais próximo estaria de si mesmo. No fundo, aquilo o desgastava, o deixava em cacos. No meio da semana, seu estado já era deplorável e na sexta era quase um cadáver.

No sábado, seu coração voltava a bater, e agia totalmente aleátorio, expontâneo. Livre, caminhava lento e sereno e na direção que bem entendesse. Mas havia uma recorrente, e não se chamava norte, nem sul, nada que uma rosa-dos-ventos pudesse saber. Nem ele. Ela sabia, de certa forma tinha o controle de todo aquele furor, mas só até a página dois. Depois disso, é impossível prever o que acontece..."