PERDI A MULHER E A SOGRA

Perdi a mulher e a sogra.

Das sogras que me corresponderam por destino, nenhuma desgostei, todas quis muito, inclusive uma que até exumei, Dona Rosa, aquela do meu conto Revanche. Todavia aquela que realmente amei foi a Antonia Gloria, por ter feito, e criando uma obra prima de mulher, que deveras não foi a prima mas a última. Por ter permitido que eu namorasse por várias décadas a sua menina caçula.

Não digo que ela simpatizasse comigo, acho até que em algumas ocasiões apenas me tolerava, mas sempre senti que ela não tinha argumentos suficientes para me pôr para fora. E eu nunca dei motivo para me desgostar. Ainda hoje a quero muito. E penso que ela deve ter reclamações do meu comportamento. Pode ser que eu não tenha sido o genro que ela desejava, aquele que a sua filha merecia.

Mas mesmo não tendo sido o genro ideal, estou convencido que não lhe dei mais problemas que ela me deu. Hoje, longe dela, posso dizer o que não tive coragem de dizer quando estava perto. Mesmo querendo lhe reclamar, nunca pude faze-lo. Por estar vem sua caso ou por receio de controvérsias, nunca lhe pedi o que queria pedir.

O que eu queria de minha sogra era bem simples: dispense a sua filha; ponha a sua filha fora da sua casa; mande sua filha cuidar da vida dela. Deixe que eu a carrego.

Com a maioria das famílias de seres viventes, acontece que um dia os filhos tem quer procurar sua própria vida, seguir seu próprio destino, com a benção dos pais e a ajuda de Deus. É da natureza os filhotes formarem sua própria família. E só vão fazer isso, abandonando os pais e irmãos, se forem preparados e empurrados para fora. Claro que o instinto é automático e diz a hora e o momento certo. Mas quando o instinto se atrasa, um empurrãozinho faz o filhote de pássaro cair do ninho e voar. Passado o tempo de cada um sair da casa dos pais para formar seu próprio lar, o jeito é empurra mesmo. Tem filhos que não desgrudam da saia materna. Tem filhos que se fazem necessários voluntariamente para não deixar a mamãe. Tem alguns que são enganados pelo destino, e outros são incapazes de viver independente. De verdade, isso não resolve nada porque no final, passado o tempo, vai se cumprir a natureza e os filhotes vão acabar sem os pais. A preservação de cada um e de cada espécie exige que assim seja. Claro que não é necessário abandonar os velhos a sua própria sorte como ocorre com muitas espécies de seres vivos. Mas assim como arvores velhas não podem impedir o crescimento das novas, elefantes se afastam da manada, e seres humanos se recolhem a uma aposentadoria assistida, a vontade divina se cumpre.

Me parece ser obrigação dos pais dar aos filhos as mesmas oportunidades que tiveram, ou mais ainda. Pais tem quem se orgulhar de propiciar os meios para a realização da vida própria dos filhos, seja qual for esse jornada. Quem tem família e filhos, os teve porque lhe foram disponibilizados os meios. É injusto negar esses mínimos meios aos descendentes. Ver e perceber que alguém não está conseguindo seguir seu caminho, dentro dos costumes e tradições, e não ajudar, é indesculpável. Há muitos progenitores que seguram as crias até elas não mais poderem seguir livres e fortes, seu próprio destino. E isso ocorre por ação ou omissão, com muito amor.

Difícil de explicar isso quando os meios materiais e espirituais do filhote estão normais e presentes. Difícil de explicar porque ninguém vê ou quer opinar sobre uma coisa natural, mandada e abençoada pela natureza, que está evidente no dia a dia. Uma situação que só pode ser resolvida pela pessoa certa. Se essa pessoa certa se omite, não faz ou não sabe fazer e fica calada, é um escândalo.

Quando a minha irmã, viu que não tinha meios materiais de sair de casa, ainda que tivesse um parceiro para enfrentar a vida, e ficou na casa da mãe para cuida-la, pensou que estava certa. Mas me lembro de ver minha mãe expulsando-a para que fosse cuidar da sua vida. E isso acabou acontecendo quando minha irmã contratou uma cuidadora profissional para atender a minha mãe, visto que eu e outro irmão não iriamos cuidar dela. Pena que já era muito tarde, o tempo de formar sua própria vida já se passara. Lhe restou apenas ser o sucedâneo da mãe, envelhecida, na mesma casa, com os mesmos jeitos e trejeitos.

Infelizmente a vida da minha irmã perdeu sentido, hoje só lhe resta tentar viver o que não viveu e ter um pedaço do que podia ter sido inteiro e bom.

Depois de quarenta anos com a filha e pelo menos vinte próximo da mãe, não me lembro que a minha sogra tenha expulsado de casa a sua filha caçula. Digamos orientado a que procurasse seu próprio destino e a deixasse aos cuidados de outros. Outros que já procriaram, que já trilharam boa parte de seu próprio caminho.

Não senti na minha sogra o ânimo de empurrar aos meus cuidados a sua melhor obra. Pode ser que tenha até feito isso, tipo “Vai viver com teu marido, na tua própria casa, sai do meu pé que fico bem”. Pode ser que tenha feito isso, eu nem fiquei sabendo. Quem sabe quem não quis sair da saia da mãe foi a filha, essa mesma pela qual vivi apaixonado décadas. Será?

Sem falsa modéstia, eu tinha todas as qualificações, incluindo um currículo financeiro e moral, compatível com a tarefa de fazer a filha feliz, no seu lar, e por toda a jornada. Se não sou o melhor genro, se tenho deficiências, ao menos não comprometo a segurança, o bem estar ou integridade moral e espiritual dela.

Não posso crer que eu tenha inspirado, na minha sogra, desconfiança quanto ao futuro. Afinal, fomos um casal por mais de quarenta anos ininterruptos, sem um arranhão de qualquer espécie em qualquer coisa de família ou casamento. Sem ironia o único arranhão que causei foi no carro.

Claro que vão dizer que se a interessada não pediu, não podia lhe ser concedido. Quem tinha que ter a iniciativa de mexer as assas e dizer que queria voar era o filhote. Seria o certo. O instintivo. Todavia um empurrãozinho da mãe, ajudava. Ajudava na felicidade futura. Teria ajudado que o filhote tivesse suas coisas e o mérito de sua jornada. E isso é tudo e algo mais, no tempo certo. Afinal os outros filhotes dessa ninhada estão sempre ao alcance da mão, a vida toda nunca se afastaram mais que minutos e metros, e nem por isso deixaram de seguir seu próprio destino com família, filhos, alegrias, tristezas e conquistas personalíssimas.

Depois de adulto e envelhecido o filhote não tem mais porque pra nada. O encanto da procriação se foi, o vigor corporal minguou, a moral ficou flexível, e quem sabe o parceiro já não corresponde. Quem vai querer se mudar da casa da mame onde viveu os últimos 60 anos? Fala sério!

O último filhote, neste caso, o que ficou pra cuidar da mamãe, ficou incompleto. Por ironia do destino que não gozou, pela cara que não quebrou, pelas alegrias que não viveu, hoje tem a maior bagagem financeira e social. Tem o maior acervo cultural, e uma rigidez suicida de caráter. Está a caminho de um patrimônio de aventuras invejável.

Lamentavelmente a minha sogra não me ajudou, não me entregou, não conseguiu que me fosse entregue a que eu mais queria: sua caçulinha. Não me resta outro entendimento: não mereço, Deus não quer, e fim de conversa.

Antonio Nabantino Azevedo e Antonio Silveira
Enviado por antoniosilveira em 07/11/2018
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