Considerações em torno do sol

Em junho eu completei a minha septuagésima oitava volta em torno do sol. De ir e vir já' ando meio zonza — desculpa de quem é zonza de nascença. . . — mas não posso negar que, enquanto vou e volto, o astro-rei continua lá, impávido e glorioso, fazendo iô-iô da minha vida, dando-me luz e calor na medida exata. Gosto de lembrar que giro em torno de um sol magnífico, que faço parte de um contexto Divino, que, como toda a natureza, sigo o meu curso de crescimento, amadurecimento e final ("morte" é dramático demais). Gosto de saber que a mim, dentro do contexto Universal, não me cabe injustiças nem regalias: sigo o destino das plantas, das águas, das nuvens ligeiras e me encanto com este dom maravilhoso que é "participar".

Sempre procuro me afastar dos desencantos existencialistas dos nossos dias e lançar minhas raízes profundas na terra e sentir-me uma árvore. A analogia me agrada imensamente. Uma árvore que se desenvolveu, deu frutos — modéstia â parte, seis lindos frutos — abrigou pássaros e seres à sua sombra e que agora começa a recolher lindos brotinhos de sua descendência. Nestas setenta e oito voltas em torno do sol, cinquenta e nove já foram dadas levando o marido e filhos de cambulhada. Quando completamos vinte anos de casados eu, romanticamente lembrei ao meu marido: "Querido, hoje completamos vinte anos de casados Não é maravilhoso?" Ele cofiou os bigodes, passou a mão numa caneta e papel e se pôs a escrever. "Meu Deus — pensei — ele me vai fazer um poema de amor". e saí nas pontas dos pés. Depois de algum tempo ele me chamou e solenemente me participou: "Nestes vinte anos a senhora já comeu às minhas custas tantos — disse a quantidade — sacos de feijão, tantos de batatas, tantos bois inteiros, tantos. . ."

Como vêem, eu não posso mesmo ter a frioleira de julgar-me uma roseira, nem sequer um girasol. . . Sou uma árvore bem fincada no chão e abrigo um mundo encantador, todo meu . Graças a Deus ainda sou útil, ainda sou necessária e tenho pela frente um bom caminho a percorrer, grudada ao meu querido bigodudo. Começamos, eu e o distinto, a recolher alegrias imensas com a realização dos filhos, o crescimento dos netos.

Árvore simples, plantada entre tantas, mas que vibra pelo que lhe cabe, que se orgulha pelas tempestades enfrentadas, pelas ventanias e chuvaradas. Arvore que agradece o orvalho, o frescor das tardes, a beleza do ocaso. Nestas setenta e oito voltas em torno do sol, quanta beleza colhi pêlos caminhos. Quantos ensinamentos. Até há pouco eu era uma árvore em pleno vigor e orgulhava-me de meus ramos possantes, meu caule ereto, minha copa verde e brilhante. Orgulhei-me demais, talvez. . . Fui atacada pelo diabetes e hoje sou uma árvore combalida, ramos finos, meio desfolhada e casca rugosa. Ë preciso muito ânimo para suportar os tremeliques da doença, por isso eu me dividi: deixo de sentir, de me importar tanto com a matéria para atilar o espírito. Não sou, absolutamente não sou, a árvore que se curva ao sabor da ventania; sou alegria, o interesse, a dedicação da minha mente passageira. Enquanto estiver pensando estarei vivendo amplamente.

Na minha septuagésima oitava volta em torno do sol, abro os pulmões, ergo a cabeça e canto: "Parabéns para euzinha/" Minha voz vai ecoando e faz sorrir as estrelas enquanto a lua, num muchôcho, comenta: "Abestada.Ficou lezinha, lezinha. . ."

Christina Cabral
Enviado por Christina Cabral em 12/09/2007
Código do texto: T649737