MINHA MÃE

MINHA MÃE.

Crônica de Rocado

Quando eu era pequeno, muito pequeno, quase não conseguia saber onde estava e o que estava fazendo. Apenas tinha consciência de que dependia daquele ser que de todas as formas me protegia. Quando tinha fome, chorava, e lá vinha ela, com seu avental de dona de casa. Aproximava-se de mim, higienizava os seios. Apanhava-me no colo, e nessa hora, eu me esbaldava sugando aqueles seios fartos, cheios do néctar limpo e morno. Lembro-me daquele mamilo ereto, contornados por uma aureola aveludada que protegia meus pequenos e delicados lábios. Que sugavam sem qualquer atrito.

Sabia naquela época o porquê do meu choro, e por incrível que pareça o choro era sempre o mesmo.

Quando eu tinha 5 ou 6 anos, achava que minha mãe era uma espécie de adivinha, que tinha poderes mágicos, conseguia acompanhar-me a todos os lugares sem estar presente. Perguntava-me: Como ela da sala sabia que ele estava abrindo o refrigerador para tomar leite condensado?

Como ela sabia que eu tinha deixado a tampa do vaso aberta, se ela estava na cozinha, lugar de onde não poderia ver o banheiro? E, assim, tantas outras coisas, que inexplicavelmente ela tinha conhecimento.

De todo, o fato o que mais me marcou foi quando, meu avô falecera.

Ela veio da rua chorando e disse.

- Meu pai acaba de falecer!

- Como soubestes? Lhe foi perguntado?

- Um homem desconhecido, aproximou-sede mim e falou.

- Mas onde está o homem, ele tinha de comunicar a outras pessoas.

Quando cheguei aos 16 anos. Ainda frescas em minha memória, as lembranças da meninice. Uma menina da vizinhança, a qual eu estava fazendo a corte. Bateu a porta, minha mãe atendeu. E, logo me chamou! Vim de mansinho e ao chegar perto vi de quem se tratava. Meu coração disparou, passando a senti-lo bater na garganta. Minha face ruborizou. Quando cheguei perto, minha mãe disse, com um jeitinho especial e um sorriso, que só ela conseguia fazer.

- Aqui está uma amiguinha sua que lhe deseja falar.

Afastou-se, deixando-nos a sós. Quando a visita terminou, minha mãe sorrindo me disse:

- Estais pretendendo namorá-la?

Fiqueo sem saber o que dizer, até então nenhuma das pessoas que nos viam diariamente juntos, na escola, incluindo os amigos, haviam desconfiados. Ela sim, apenas em uma fração de segundos, tudo percebeu.

Nesta altura da minha vida sabia que minha mãe era um ser especial, dotada de poderes inigualáveis. Não me lembrava de havê-la visto em uma situação embaraçosa, nem tampouco falando mal de alguma pessoa, como era comum em outras mulheres que conhecia.

Nunca mediu esforços para satisfazer-me, nem nunca deixou de passar uma oportunidade de corrigir-me, quando fizera alguma coisa errada. Se lhe chamava a atenção, era de uma forma tal que ele não me sentia magoado, e sim, grato por haver lhe indicado o caminho certo.

Mas este mundo é ingrato e caborteiro. Os bons muitas vezes sofrem em demasia, enquanto os maus vivem badescamente e tem um fim sereno.

Quem lê este lamento, certamente perguntará! Por que ele não fala do pai? Meu pai falecera antes do meu nascimento, por isso não chegei a conhecê-lo.

Minha mãe foi também pai ao mesmo tempo. Dessa forma nunca senti falta de ter um pai. Quando este fático acontecimento ocorreu. Ela resistiu a provação com muita tranqüilidade, pois seu amado havia lhe deixado um grande consolo, o fruto que iria nascer. A incrível mulher, nunca mais teve alguém, para substituir o esposo querido que faltara. O filho amado suprira todas as suas carências afetivas.

De volta à realidade, aos meus 56 anos de idade, cabelos brancos, olhos baixos, e profundos, causados pelos dias e noites mal dormidos. Contemplo aquele leito de hospital, onde se encontra uma figura, que nada tem a ver com a minha mãe. Fora mais uma obra daquele que tudo destrói, sem qualquer piedade. Seus cabelos brancos, a pele encarquilhada, olhos profundos com contornos escuros, a boca murcha pois os dentes lhe faltavam. Diante de tal figura penso:

“Maldito tempo que tudo destrói, transformou, uma mulher bela e altiva, em um amontoado de pele o ossos, que nem de longe com ela se parece.”

Mas o tempo para ela era findo, nada mais, poderia ser feito ou reivindicado.

A morte triste ia se chegando de espacejo no mais, a respiração cada vez mais tênue, o coração que batera por mais de 70 anos, agora fraquejava. Peguei a sua mão, ela olhou para mim, os lábios num derradeiro e incontido esforço, esboçou um leve sorriso, sorriso de canto como fizera sempre por toda a sua vida. Deu um ultimo suspiro e foi levada por anjos que tocavam suas trombetas, anunciando a chegada de um novo anjo no paraíso.

rocado
Enviado por rocado em 09/11/2018
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