VELHAS MEMÓRIAS DA PRAIA

VELHAS MEMÓRIAS DA PRAIA

"Apenas as pessoas que já perderam

a memória publicam suas memórias".

OSCAR WILDE (1854 / 1900)

"Buscam solucionar o problema da

pobreza, por exemplo, mantendo

vivo o pobre; ou, segundo uma teoria

mais avançada, entretendo o pobre".

OSCAR WILDE, in "A alma do homem

sob o Socialismo", ed. L&PM, 2003, RS

Cozinhando com carvão uso jornal e papelão para iniciar o fogo e aproveito para dar "uma olhada" nas notícias. Foi assim que fiquei sabendo sobre o 'Resgate do volêy de praia", escrito dessa forma no jornal AMAZÔNIA de 26 de setembro pp. Aliás, jamais vi outra época nos jornais de Belém com tanto êrro crasso, nas manchetes principalmente, mesmo com correção automática via programas do Windows. Mas isto não é aula de Ortografia... embora Belém não tenha praias, um grupo se reuniu no início de 2018 e já fizeram 3 ou 4 torneios desde então, inclusive numa praça daqui de Ananindeua, município onde resido.

A nota me trouxe recordações de meus dias (e anos) no Posto 3, em Copacabana, reunido por 1 década a amigos que trago no coração há quase meio século. Já contei, em outra crônica, que chegava na praia cedo, por volta das 7,30 hs, os postes das redes ainda sendo colocados por um certo "Ceará", excelente jogador de futebol, digo, "de controle", rodinha de peladeiros que mantinham a bola no ar até o chute certeiro de um deles para o gol. Mas, meu negócio era "vôlley" (escrito assim mesmo!) e ía eu direto para a (rua) Santa Clara, admirar o jogo dos "velhinhos" na praia desde às 6 da manhã, estilo antigo muito curioso. Depois vinham seus filhos e netos, todos jogando em clubes e todos "craques" de bola, a Mikasa branca, um luxo para poucos. Se surgia 1 vaga, me incluíam como levantador ou "fundo de quadra", como cortador nem pensar.

Só lá pelas 10 da manhã me dirigia ao Posto 3, os velhos amigos já tendo começado as disputas, em duplas quase sempre. Numa época (1980? talvez 1981 !) fez-se um torneio, montamos dupla Giovanni Mestollo e eu -- par de "zebras" que não cortavam nada mas defendiam tudo -- e chegamos à Final contra outra dupla"esquisita", um "gigante" de tonelada e meia, mais o "anão de jardim" Marcelo (nunca soube seu sobrenome) que morava na rua Figueiredo Magalhães, perto do Edu(ardo), e era gentilíssimo, a cortesia em carne e osso. Perdemos, acumulando êrros sobre êrros e nem a superdefesa funcionou. Inexplicável a derrota, enorme a decepção !

Ivandro Coutinho, o "Orelha", me enviou fotos da turma uns 10 anos depois que os deixei (em dez. 1983), porém não faço idéia de onde as guardei. Contudo, relembrar todos êles (uns 20 ou mais) é sempre imenso prazer... ainda tinha o pessoal da "pelada", que só podia começar ao meio-dia, areia escaldante, pois a Prefeitura proibia jogo de futebol pela manhã, devido às reclamações. Um ou outro, "mais fresco", usava meias... os "machos" faziam buracos com os pés e aguardavam ali a bola em disputa chegar perto, um absurdo !

Em geral, entendem todos que, por falta de dinheiro, o pobre não se diverte... ledo engano, a vivência ao lado de amigos verdadeiros compensa qualquer carência. Fui muito feliz naquela quadra e torço para que a maioria continue unida, agora com filhos e netos. Do voleibol, lembrança monumental: a partida da Seleção com Bernard, Giovani, Renan, etc, num Maracanãzinho hiperlotado, contra um Japão valoroso, que não se entregava nunca, "salvava" todas as jogadas erradas de sua equipe e que deu show de união e conjunto em quadra. Mas o famoso saque "Jornada nas Estrelas" desequilibrava, para desespero do técnico "amarelo", sem entender nada.

Arthur da Távola publicou na época análise magnífica do jogo, "guerra" na qual os adversários se respeitam -- isto bem antes da "Era Cubana" -- e os derrotados cumprimentam quem venceu. De lá para cá o Brasil "desceu a ladeira" em quase todos os esportes nos quais brilhava nos anos 70/80... só o voleibol parece que ainda faz História !

"NATO" AZEVEDO (em 8/nov. 2018)

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OBS: retratei em versos a praia num domingo de chuva de 1982, para desespero dos cariocas, que sonham com o mar a semana inteira:

(Andando seminú sobre as areias desertas de qualquer praia

a gente sente que a "liberdade está em nossas mãos", em nossa

pele, entrando pelas narinas, invadindo-nos o corpo inteiro. Este

poema tenta retratar essa sensação inesquecível. Com vocês...)

A M I G O M A R

Sentado na areia, no meio do horizonte,

revejo o Passado, relembro o meu ontem.

Eu canto, eu me calo, não falo, não fumo

e nem tenho metas, nem planos, nem rumo.

Sentado, num dia de manhã bem fria,

na praia deserta, enorme, vazia,

eu tento ser eu, mas eu não sou nada...

sou pó e sou vento, sou céu, sou estrada.

Sou o barulho da água, o silêncio da nuvem.

Sou o jato que passa, que zune, que ruge.

Sou Deus, sou diabo, sou bom e sou mau.

Sou homem, sou mago, anjo e animal.

Mas não quero ser nada, nem ter, nem poder.

Só quero liberdade, só quero viver

com felicidade, com um lar, com você !

"NATO" AZEVEDO

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Dedicado ao amigo José Lucílio Guerra, em 1984/RJ e publicado

numa antologia da SHOGUN Editora/RJ em março de 1985.

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OBS.: o jovem colombiano RONALDO VACA P. ROCHA,

em visita a Belém do Pará, musicou-a em 2003