O respaldo

É possível que, para alguns, sejamos um Deus a partir do Deus que imaginamos que somos pra nós mesmos. Isto é, a partir da imagem que fomos construindo em torno da gente em função da credibilidade que por muitos nos foi oferecida. O que faz todo o sentido. Se uma multidão incalculável nos credita uma incalculável idolatria, qual a chance que temos de oferecer alguma dúvida a respeito disso? Ainda que, eventualmente, não saibamos bem o que somos. O que não deixa de ser difícil pra qualquer um.

Qual a reação que pode ter uma pessoa como Freddie Mercury diante de uma multidão que literalmente lotou todos os espaços vazios do Wembley Stadium no concerto de rock Live Aid, realizado em 1985 em prol dos famintos da Etiópia? Embora para essa promoção, de altíssimo nível comercial, tivessem concorrido famosos como David Bowie, Phil Collins, Eric Clapton, Bob Dylan, The Who, U2, Led Zeppelin e outros. Todos campeões. “We are the champions”. Sou realmente um Deus. Posso subjugar meus súditos com apenas uma canção dedicada à pessoa que acho que amo. “Love of my life”. E com minha voz encantadora – ou ela não seria por todos assim reconhecida.

Em paralelo, é impressionante a forma com que um recluso, depois de sete meses de prisão, se comporta num depoimento prestado a uma juíza. Em dado momento não é ela quem faz as perguntas, mas ele. Revelando nenhum abatimento físico, e muito menos moral, que pudesse ser decorrente de seu tempo de aprisionamento. Trata-se, ou pelo menos supõe-se, de um auto grau de confiança de que somente dispõem aqueles que se acreditam como a representação da total credibilidade, ou mesmo idolatria, de seus seguidores... ou súditos. Tudo o que eu pudesse dizer a meu respeito, muitos já o fizeram. Então, tenho todo o direito de ser prepotente e até orgulhoso, se for o caso, porque o respaldo com que conto é inexcedível. Posso (quase que) a todos subjugar. A minha prisão é um prêmio para os organismos criados especificamente para esse fim. É possível que isso possa ocupar aquela cabecinha.

Rio, 14/11/2018

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 15/11/2018
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