Quero o deixar ir

Queria que muita coisa fosse diferente. Uma boa quantidade, aliás. Embora não saiba precisar, não neste momento e nem mesmo tenho muita certeza de quais dificuldades abriria mão. Porque escolher nada mais é do que fazer isso, deixar ir.

Mas temos a mania de achar que as coisas não são como deveriam. Que temos menos que precisamos, que estamos cercados das pessoas menos agradáveis, que fizemos sempre as escolhas erradas. Aliás, paradoxalmente, abrimos mão das coisas que agora julgamos inadequadas e achamos que vamos acertar no atual deixa ir? É de rir para não chorar nossa capacidade de ter certeza do que não vivemos. E, sinceramente, não sei, tenho dúvidas sobre isso, quanto ao fato de teríamos um melhor discernimento agora.

E tenho que confessar que gosto assim. Gosto de não ter tantas certezas, de não ter certeza o tempo todo. Gosto de duvidar das minhas escolhas, embora não abra mão do deixar ir nesta minha jornada. É da minha natureza de alma velha e atrevida. Que não saberia viver sem ousar, embora não sinta prazer em afrontar! Às vezes acontece, faz parte do jogo, com a máxima vênia!

Queria, talvez, para ilustrar esta reflexão, e digo talvez para não cair na armadilha de ter certeza, que eu fosse menos solitário e menos falante. Talvez se fosse menos solitário, seria menos falante. Ou vice-versa. Mas não sei se seria interessante pagar o preço de ser tão diferente de mim. De abrir mão das minhas conquistas, não obstante para isso, um imensidade de deixa ir. Haia vista ter insistindo tanto neste caminho. Ter trabalhado tanto para ser quem sou. Não que goste de tudo que compõe a minha complexa individualidade. Não que exista alguém goste de tudo em si. Mas se você não gostar daquilo que se tornou, apesar do direito de ser cada dia melhor, o que implica ser diferente, você não compreendeu nada sobre a necessidade da relatividade da vida. Aliás, uma das poucas certezas, fato inquestionável, a relatividade da vida. Componente dos mais fascinantes desta magnífica viagem! E isso é extremamente grave. Porque, desta forma, prisioneiro desta perigosa ilusão, você vai achar que seu ponto de vista é a mais pura expressão da verdade. E esta, a verdade, é tão escorregadia quanto aquela velha questão que sempre intrigou os grandes filósofos: “de onde viemos e para aonde vamos?”

Portanto, não resta dúvida, tenho certeza, ou ainda que não a tenha, é mais prudente, de fato, digo que devemos continuar, de cabeça em pé, continuar fazendo nossas escolhas. Que é o que faz com que as coisas sejam como são. E cabeça em pé e apenas olho no olho, sem a outra ilusão também deveras nefasta de superioridade. Queremos que as coisas sejam diferentes? Façamos escolhas diferentes. Invistamos mais em reflexão e menos em julgamentos. Mais em compreensão e menos em solidão. Mais em nos ligar às pessoas, ao coração das pessoas, apesar das diferenças, do que em ter razão!

Queria que muitas coisas fossem diferentes. E sei que muitas delas não dependem de nós. E por isso mesmo não vale a pena sofrer por elas.

Mas nas que dependem do nosso direito inalienável ao deixar ir, abramos mão de nossos sentimentos ruins, daqueles que tornam nossa vida mais pesada e triste.