Levante

Ventava. Ventava aquele vento velho de ventilador, trazendo movimento vago e teco-teco aos ouvidos.

De dia, o quarto estava vestido de penumbra.

Atirou-se àquele sofá do canto, estava pesada em pé.

Estendeu a mão para pegar um cigarro e apanhou logo o isqueiro, com a mesma mão.

Ela nem quis tragar, só queria acender um cigarro e segurá-lo pra não ter que segurar um terço.

Pensou em mil formas de se salvar, e todas lhe pareceram imperfeitas. Pensou nas formas de se entregar, e nenhuma teve a força que tem um coração, para que a convencesse.

Trouxera de onde aquela sentença de querer sonhar por qualquer coisa?

Olhos fixos num ventilador melancólico e enganoso. Um ventilador não faz ar novo e esse vento é uma mentira... Bateu com força no botão azul que o desligaria.

Como só poderia ser, o giro ficou mais lento e, com a lentidão, o teco-teco implorava rangendo que o deixassem continuar. Mas ela queria que o ventilador morresse à míngua, porque era de mentira.

O cigarro já era só cinzas na outra mão e havia sido tragado duas, três vezes - mas não havia falado Ave-Maria!

Lançou o toco pela janela entreaberta. Acertou.

O ventilador parou finalmente depois de um último giro arrastado, girando no quarto aquele mesmo silêncio que vem com a morte.

Ela estava em silêncio. Uma mão sem cigarro e ouvidos sem ventilador. Como se salvaria? Chegaria a se entregar?

Estendeu a mão e apanhou um papel.

E se levantou para buscar uma caneta. A caneta que a salvaria - sempre, sempre - no exato momento em que ela se entregasse.