UM CUPIDO NA MEDIDA CERTA

Lucymara era uma moça bonita; morena clara, dentes brancos como o marfim da estatueta do Padre Cícero, de quem era devota. Aos 34 anos vivia com uma garotinha de cinco, nascida da relação com Adailton, o safado que a deixou de barriga e sumiu por este mundo. Vivia de favor em São Paulo, num apartamento emprestado por Ana, amiga dos livros da época em que se formou em Administração na universidade da cidade de Pindaíba do Norte, Bahia, lá, bem próximo do Velho Chico, ou rio São Francisco como queiram.

— Toca sua vida, Lú, quando puder você me paga, repetia a amiga.

Apesar da ajuda de sua conterrânea, a vida não estava fácil em São Paulo, e suas reservas exauriam. As despesas colavam nas nuvens e Lucymara, preocupada, acelerava o ritmo dos disparos de seu currículo para Deus e todo mundo, não poupando nem o Papa Francisco, e também próximo do bairro onde residia com a filha Belinha.

— Mostra que você é sabida, mamis, repetia a filha tentando motivar a mãe.

E a vida seguia seu rumo, ancorada na fé e na esperança em dias melhores.

Naquela manhã, ao abrir a geladeira, Lucymara notou a falta de leite e margarina, e convidou a filha para irem comprar os produtos no supermercado local. Puseram-se a caminho.

Lá chegando, zapeou por todas as gôndolas e irritou-se com a carestia.

— A coisa está feia, filha, veja só estes preços!!

— Próximo dela, um belo rapaz moreno, barba meio grisalha, trajando jeans e camisa branca observava atentamente seus passos e praguejos.

A filha Belinha, notando os olhares do rapaz, puxou a blusa da mãe alertando-a para o fato.

— Mãe, aquele moço bonito está olhando você com uma cara gozada!

Constrangida e notando a saia justa, Lucymara repreende a filha.

— Belinha, isto é coisa que se diga?! Respeite o moço.

— Imagine, — diz o rapaz moreno, com barba grisalha, — as crianças são assim mesmo.

E, meio sem graça, pagou sua compra e foi embora.

— Belinha!!! Que coisa feia!

— Coisa feia? Você achou aquele moço uma coisa feia?!

— Caladinha! Vamos embora!

E passado o momento as duas voltaram para casa com as compras. Lucymara tentou disfarçar o misto de excitação e euforia diante de Belinha.

— Nossa, não é em todo lugar que se encontra leite e margarina com essa qualidade…

— O que disse, mamis?!! — Nada, querida, nada não.

Já passava das nove horas da manhã. Belinha havia ficado na escolinha e Lucymara preparava-se para sair. A luz do sol maquiava seu rosto. Antes de chegar à porta de saída o toque do telefone a interrompe. Uma voz lhe dizia formalmente:

— Lucymara Oliveira? — Isso mesmo! — Seu currículo foi selecionado. Poderia comparecer à nossa empresa ainda hoje? Enviamos o endereço para seu e-mail.

Era uma ótima chance para Lucymara. Dada a proximidade, seguiria à pé para a empresa.

A vaga prometia e tinha contornos ideais para a sua vida com Belinha.

Chegou no horário e logo foi encaminhada para a sala onde seria entrevistada.

Suas mãos suavam e tremiam-lhe as pernas. Usava um conjunto rosa, discreto e bem cortado.

Um sapato aberto e os cabelos presos lhe conferiam certa classe. A vaga era única e certamente seria contratada. De repente entra o entrevistador; um belo rapaz moreno, barba meio grisalha, trajando jeans e camisa branca. Lucymara travou. Sua vida começava a mudar.

O tempo passou. Ana, sua amiga, sorriu. Ficou radiante ao receber o convite do casamento de Lucymara. Recebeu também uma justa compensação pela ajuda nesses anos todos. Quanto a Belinha, a cupido oficial de nossa história, sentiu que arrasou na “observação” dada à mãe.

Um acaso unira Lucymara ao seu entrevistador, moço moreno, barba meio grisalha, trajando jeans e camisa branca, e também a certeza de que nunca a falta de leite e margarina em uma geladeira se mostrou tão eficaz.