O PROFESSOR JÁ FOI EMBORA
 
         — Você não entende, eu quero apenas achar o culpado. Ela morreu antes de se aposentar. Ela tinha os documentos, sempre foi mulher trabalhadeira, tinha calos nas mãos. Mas, puta que pariu, não aposentaram a minha mulher que sempre trabalhou na roça. Você entende. Ela foi minha mulher. Ela morreu daquela doença que nem gosto de falar o nome. Tentaram tratar dela em Muriaé, mas não adiantou. Ela morreu. Faz mais de dois anos que ela me deixou. Ainda bem que só tivemos dois filhos. Os dois estão trabalhando lá em Vitória. Mas eu fiquei aqui, um velho doente, vivendo apenas do meu aposento. Eu tive como me aposentar. Mas ela não teve. Os papéis não estavam em dia. Como pode num país tão rico como o nosso Brasil não poder aposentar quem trabalhou a vida inteira.
         Olhou de lado, viu alguém entrar.
         — Tá entrando aqui um doutor. Ele já a atendeu um dia no pronto socorro. Ele estava lá no seu plantão. Então eu a trouxe da roça, lá do córrego dos Rodrigues. Ah, você não sabe onde é o córrego dos Rodrigues. Talvez você o conheça como Racha-pau. O doutor sabe que ela estava ficando doente. O doutor estudou para saber isso. Ele sabe. Ele colocou aquele aparelho redondo no peito dela. Ele ouviu que o coração dela já não batia direito. Ele deu até remédio e eu comprei caro na farmácia. Aquele dia eu não tinha dinheiro, mas me venderam fiado. Quando eu recebi, eu paguei. Eu quero apenas culpar vocês por não tê-la aposentado. Ela sempre foi mulher trabalhadeira. No sindicato disseram que ela tinha direito. Nós fizemos os papéis que tinham que ser feitos, mas vocês falaram que estava faltando. E faltava também a idade. Você não entende. Ela foi mãe de dois meninos. Cozinhava para companheiro. Lavava roupa no córrego. Tem gente que nunca trabalhou pesado e já está aposentado. Trabalhador nesse país não tem valor. Não tem valor nenhum.
         — Eu tenho vontade de falar um palavrão, mas agora entrou o professor, eu sei que ele é professor. Eu não vou falar nenhum palavrão. Mas você sabe que tem gente que fica ali no banco da praça sentado. Eles são aposentados, gastam o dinheiro com putaria. Eu não vou falar palavrão por causa do professor que chegou agora. Você sabe que eu estou falando a verdade. Gastam o dinheiro deles com mulher atoa, com mulher da vida. Gastam também com farmácia, comprando o azulzinho. Você entende? Eles estão fortes para trabalhar. Se no lugar do azulzinho, comprassem Biotônico Fontoura, eles tinham como ganhar dinheiro com os braços. Minha mulher sim, ela foi trabalhadeira, me ajudava no capinado. Colhia milho comigo, arrancava cada baita de uma mandioca, você precisava ver. Eta mulher que trabalhava. E ainda dava conta do serviço de casa e dos filhos. Aí ela teve a maldita doença. Essa mesma que ainda não tem cura. Foi para Muriaé mais de dez vezes e não teve jeito. Ela morreu sem ter se aposentado.  O professor já foi embora, agora eu posso falar, todo mundo do INSS é tudo viado. Vocês são todos viados.  Não aposentaram a minha mulher. Fica o meu protesto. Eu faço protesto mesmo. Eu fui prejudicado por vocês. Era para ela está agora aqui, que nem o doutor e o professor. Enfiando o cartão nesse lugar rachado e pegando dinheiro nesse outro rachado. Eles pegam dinheiro por que trabalham. Minha mulher trabalhou e nunca tirou dinheiro nessas máquinas. Mas era para está tirando. Ela tinha direito e vocês negaram. Agora ela está debaixo da terra. Seus filhos da puta...
         O homem, carente de sanidade, seguia com seus impropérios diante do caixa eletrônico. A segunda-feira vai ter um pouco de diversão para quem for assistir as gravações.
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 02/12/2018
Reeditado em 02/12/2018
Código do texto: T6517253
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