Caso do panetone.

Aprendi a gostar de panetone quando comecei a namorar o meu futuro marido. Aliás, desenvolvi o prazer em comer e em viver com ele, pois antes, perdida nos devaneios da depressão, eu me alimentava apenas para não continuar caindo de inanição.

E me apaixonei por panetone. Mas também por pizza, strognoff, risoto, lasanha...

O panetone ganhou um espaço importante no meu imaginário. A proximidade do Natal, o balanço de tudo o que se faz ao longo do ano prestes a findar. Também a chegada de pessoas importantes, o carinho mesmo dos mais distantes. Antes havia o cartão de natal com mensagens animadoras. Presentes em papéis coloridos, misteriosos... até que, com o tempo, eu aprendi que presente de Natal é mais que especial porque representa a soma de tudo aquilo que fizemos de bom, com o coração, a atenção e o respeito para com o outro e podemos oferecer, humildemente, ao aniversariante mais importante da história. Natal mexe com os sentimentos, provoca reforma íntima, propõe autoanálise e o desenhar de novas caminhadas.

Mas voltemos ao panetone.

Num dia qualquer, foi no ano passado, conversando animadamente com o meu cunhado de São Paulo, o mesmo me confessou que tinha comprado panetones a preço muito baixo.

- chuta: quanto paguei ... interrogação.

- 5 reais.

-Não. Menos.

E fui baixando o preço, baixando, baixando... e neca.

Até que ele anunciou triunfalmente: cinquenta centavos.

- Oi!!!!!

- É, 50 centavos.

Nesse momento o meu pensamento começou a se elevar e eu a cismar. Imaginei o freezer lotado de panetones para o ano inteiro. Haveria dificuldade em fechar-lhe a porta. Os panetones ficariam sobrepostos, apertados contra as paredes internas,sufocados, um pedindo licença para o outro, quem sabe caberia mais. E eu, de viagem marcada, chegaria à minha terra natal em poucos dias. Mesa farta, café Moka quente até queimar a língua...

E nós, recebendo parentes, oferecendo a iguaria em profusão e com direito a levarem para casa uns bons nacos ou, quem sabe, uma peça inteira. Sim, eu adoro dividir comida. Nada me é mais prazeroso que isso...

E eu flutuava na imaginação até que caí na real.

- William, me conta quantos panetones comprou.

- 3.

- Não ouvi bem. Me diga quantos comprou.

- Já falei. Três. Quer dizer, eu dei um de presente e o outro eu vendi.

- Você está dizendo que vendeu um panetone...

- Vendi por 1,50.

-Meu Deus, você vendeu o panetone.... eu esbocei um grito sufocado, doloroso, incrédulo, lastimoso e indignado... era tudo ao mesmo tempo.

-Mas ainda tem um aqui prá você...

Bem, eu não me lembro mais nada do final do melancólico diálogo. Imagino que eu tenha desmaiado ou surtado... eu não ouvi mais nada naquela malfadada e soturna noite, naqueles tempos de sol de quase dezembro... eu vou.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 02/12/2018
Código do texto: T6517504
Classificação de conteúdo: seguro