Obrigado, meu patrão!

Acordo às madrugadas todo o ano, sem exceção, para me preparar em meu humilde quarto; nele vejo meu casal de filhos, ainda sonolentos, deitados juntos da mãe. Oh, e que mãe!

Ainda dolorido, porém já calejado, visto um de meus dois únicos pares de roupa, que compreendem uma calça e uma camisa, ambas um pouco furadas e surradas pelo trabalho cotidiano de sol a sol.

Chego sempre alguns minutos antes, avistando no horizonte o nascer do sol. Estou preparado para mais um dia. Em instantes meus colegas de trabalho e eu entramos nos campos cafeeiros, onde terras esperavam para serem preparadas para o plantio. Pego da enxada e começo a revolver os terrenos demarcados ao meu redor.

Após horas na mesma função, já com o sol a pino, aperto o “amarril” de minha calça, à medida que a fome aumentava em minhas entranhas. Chegou, enfim, a hora da salvação. Dispúnhamos de um almoço simplório, porém desejado. Reuníamo-nos ali mesmo no campo algum tempo para, então, voltarmos às nossas funções.

Agora, satisfeito, fui requisitado para transportar algumas dezenas de sacas de café. Pegava, rapidamente, o primeiro saco, colocava-o nos ombros para poupar, em parte, meus braços já exaustos das enxadadas matutinas. Oh, meu patrão!

Dez! Vinte! Trinta! Quarenta sacas! Cada uma delas correspondia ao peso de um homem... ou, ao menos, era o que parecia após tamanho esforço. Outro fardo a ser carregado é a angústia de notar um vicioso ciclo para o qual sou apenas uma peça negra, sem um destino amigável. Obrigado, meu patrão!

Noto minha família, inteiramente descendente direta de escravos, caminhando no fim da tarde, início da noite, em um destino unidirecional, rumo a herdar o mesmo que herdei de meu pai: submissão.