As nádegas da Dona Jhenny

As nádegas da Dona Jhenny

Finalmente havia completado 7 anos e já podia entrar na escola. Era um objetivo desejado há alguns anos; como é que meus dois irmãos mais velhos iam para a escola e eu não?

Minha mãe providenciou os documentos e fui matriculado no Grupo Escolar de Vila São João, bairro de mesmo nome, Mauá – SP. Eu bem que tentava, mas o sorriso não abandonava o meu rosto.

Aguardei com impaciência o primeiro dia de aula e, finalmente lá estava eu na sala de aula. Ainda me lembro do nome de alguns colegas – Geraldo, Antonio Tavares, Anísio, Marina, Sandra, etc.

A Marina se tornou minha amiga e ainda é até hoje, já os demais, desapareceram. Sempre que vou a Mauá tenho a sensação que estou passando por algum deles; da última vez que estive lá, tenho certeza que vi a Sandra, não mais aquela menininha de 7 anos, mas agora uma senhora que, como eu, beira os 60.

As lembranças são muitas, mas ninguém era mais interessante que a professora. Ela entrou e se apresentou - "eu sou a Dona Jhenny"; em seguida pediu para que repetíssemos o nome dela o que fizemos sem pestanejar "Dona Jhenny!"; "Dona Jhenny!"; "Dona Jhenny!". Passamos o ano inteiro repetindo o nome dela em quase todas as aulas.

Era branca, magra e, para a pirralhada miúda, alta. Falava com um sotaque estranho para mim; eu, meus pais e irmãos ainda tínhamos o sotaque fluminense. A professora costumava repetir "eu sou de Jundiaí"; "eu sou de Jundiaí", agora sei que sotaque era aquele.

Eu não sabia o que poderia significar, mas ela nos informou que não daria aulas aos sábados por ser adventista; naqueles tempos ter aula aos sábados era normal, então nossa turma era privilegiada. Quando tínhamos aula aos sábados, era pura enrolação, uma sobrinha da faxineira era escalada pra tomar conta de nós.

Uma vez a professora me disse algo que demorei anos para entender. Estava eu escrevendo algo quando derrepente ela surgiu ao meu lado, de olho no meu caderno. Ela se abaixou e disse "Raul, ‘acarca‘ o lápis, ‘acarca‘ o lápis". Juro que não entendi. Quando voltei pra casa perguntei pra minha mãe o que seria “acarca”; ela também não sabia.

Logo conquistei meu espaço na sala, achava que era um dos “queridinhos” da mestra. É que naqueles tempos a sala era dividida entre a turma dos “bons” e dos “ruins” ou “adiantados” e “atrasados”. Ganhei acento na fileira dos “adiantados” porque já conseguia ler a ‘Cartilha Caminho Suave’. As vezes era escalado para fazer o ditado da turma dos “atrasados”, me sentia o máximo.

Um belo dia estava eu distraído fazendo minha lição, cabeça baixa, compenetrado, não estava vendo ou mesmo pensando na Dona Jhenny. Num determinado momento, virei-me para a esquerda; pude sentir meu pequeno ombro trepidando nas nádegas da Dona Jhenny, ela pulou de banda com olhar furioso, juro que foi sem malícia, mas não foi isso que ela entendeu. Eu olhava pra ela como a pedir desculpas e ela olhava pra mim como se eu fosse um tarado. Pegou-me pela orelha e me aplicou uns cascudos. Fiquei caladinho, minha mãe não podia saber disso, vai que ela também entendesse que eu tinha feito por querer; o que queria mesmo era reconquistar meu status. Recuperei na semana seguinte.

Raul Correa Barcelar
Enviado por Raul Correa Barcelar em 06/12/2018
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