NO DOMINGO

Às vezes, precisamos sair da nossa zona de conforto.Precisamos olhar em volta e perceber tudo o que nos acontece. Enxergar melhor as coisas e as pessoas, sem nenhum julgamento prévio. Apenas observar. Nada de ficar racionalizando. Deixarmo-nos contaminar pelo coração. Apreciar lugares, coisas, pessoas e acontecimentos, sem pressa.

Não é sempre, mas, em alguns domingos, eu costumo passear pela cidade. Estaciono o carro num lugar estratégico e caminho a pé. As ruas sempre estão silenciosas e as praças parecem um deserto. Às vezes, surge alguém aqui ou acolá. Têm-se a sensação de que tudo está parado. A agitação frenética dos outros dias dá lugar a uma certa melancolia. Pelo menos em mim.

Naquele domingo foi um pouco diferente. Após caminhar por um tempo, parei na praça e sentei-me num banco. Eu queria só observar. Eu queria só matar o tempo. Porém, deparei-me com uma cena muito inusitada: um morador de rua com o seu cachorro. O inusitado talvez se devesse ao fato de que, já há algum tempo, nasceu em mim a vontade de ter um cachorro para cuidar, para me fazer companhia.

É isso mesmo que presenciei – companhia – o cão e seu dono. Mas como afinal pode alguém, para quem falta tanta coisa, cuidar de um cachorro? Como podem ser tão amigos e cúmplices? Talvez seja uma relação simbiótica. É isso, simbiose afetiva.

Foi-me possível perceber um alto grau de co-dependência entre o morador de rua e seu cachorro. Na dependência afetiva, a pessoa depende tanto do outro que ele funciona como seu oxigênio. Um ser e um cão sem destino, sem moradia, sem nada. Visível solidão interna por parte de ambos. Tornaram-se amigos e um está grudado no outro. Fundiram-se. A existência de um está ligada a existência do outro.

Era só para ser um domingo como outro qualquer. Tive vontade de ir conversar com o homem, mas desisti. Se fizesse isso, provavelmente, seria um diálogo racional e meu objetivo era só observar.

Retornei para casa pensando se, de fato, eu vou arrumar um cachorro para mim. Eu que não suporto ficar mendigando afetos. Acho melhor não! Vai que eu desenvolva um alto grau de dependência com meu cão. Eu não conseguirei mais me separar dele. E, caso ele vá embora, eu também irei.

Peluro
Enviado por Peluro em 07/12/2018
Reeditado em 08/12/2018
Código do texto: T6521018
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.