Sutileza

Por vezes sou tornado, tempestade, maremoto, tsunami. Outras, sou brisa calma de outono que leva as folhas secas pra longe de casa. E em meio a indecisão que é ser eu mesma, me enxergo indagada pelo que poderia ser um fato sutil para virar crônica.

Somos um balde de repletas emoções e sentimentos e a partir do momento que dizem para descrevermos isso no papel, nós não temos a mínima ideia do que dizer, como se, de repente, tudo sumisse de nossas cabeças e fôssemos vítima do nosso próprio conhecimento. E como foi fácil pra crônica me pegar de jeito, cara! Ela não veio como furacão ou vendaval, veio de rasteira como quem esperava eu me distrair com a vida para poder me dar um chute pelas costas. Mas daí pensei: há tantas coisas para se perguntar sobre esse mundo, as criações que nele existem, a maneira como elas se aperfeiçoam e se tornam irreconhecíveis. Sem contar com as pessoas, são milhares delas, são muitas histórias, muita coisa merecia uma crônica.

Meus pensamentos foram resfriando e pude ter a certeza de qual assunto valeria realmente a pena: eu mesma. Afinal, antes de desvendarmos o mundo, deveríamos conhecer um pouco de nós mesmos, não acha?

Como disse anteriormente, caro leitor, eu sou uma tormenta de perplexidade, não me conheço por inteiro e provavelmente nunca vou conhecer. Até ontem gostava das músicas melancólicas de Ed Sheeran, hoje elas me cansam. Sou um pouco de Clarice Falcão com uma pitadinha da fragilidade de Caio Fernando Abreu. No verão sou mais Tiago Iork e no inverno não me compreendo muito, por isso tanto me comparo. Mas ah, como eu me acho parecida com Robert Bloch. Acredito, assim como Martha Medeiros, a cronista a qual me inspirou, que somos um pouco de cada coisa que gostamos. E percebi ao tratar desse relato que eu gostava de muitas coisas, mas entre elas o que mais me chamava atenção era a chuva e como ela vinha até nós: tranquila e serena, nos trazendo uma paz e nos remetendo a ter vontade de fazer coisas simples, como ver aquele filme que nos consola a alma, conversar com o cachorro sobre os assuntos do coração, enrolar-se no cobertor e andar pela casa, tomar uma boa xícara de café atualizando o Facebook.

Talvez você nunca tenha parado pra pensar no quanto um pé-d'água pode nos fazer refletir, assim como eu nunca tinha pensado. Ademais, a chuva se adequou ao meu ser como uma peça perdida de um quebra cabeça deixado de lado. Devido a isso, percebi que me renovo a cada estação: no verão, sou temporal, meu comportamento é alterado e eu me culpo por qualquer onda maior que me derrube. No outono, sou garoa que persiste em regar as boas plantações. Com o inverno não me dou, por acaso apareço com um chuvisco de boas-vindas às flores e aos casais que sempre se dispõem a desfrutar de um beijo apaixonado embaixo das chuvaradas. E então estalo os dedos para que se inicie um novo ano e conto com o cuidado e amor das minhas fortes companhias.

Porventura, quando criança eu odiava os dias de chuva, eles eram cheios de tristeza com lembranças amargas da mãe não deixar brincar na rua. Hoje, eu a aguardo com muita frequência e sem medo a espero, com a sutil vontade de me molhar. Por fim, assim eu quereria que fosse a minha primeira crônica: que me viesse por acidente exatamente como uma chuva de paz.

Ana Carolina Fretta
Enviado por Ana Carolina Fretta em 11/12/2018
Reeditado em 11/12/2018
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