MEMÓRIAS

Madrugada… Silêncio sepulcral. Nada se ouve. Lá fora, apenas o som de um carro ou outro que passa. Todos dormem, exceto eu. Vou até a cozinha e aproveito para lavar a louça que ficou do jantar. Um jantar solitário, como sempre. Preparado como se fosse para receber alguém. Afinal, nunca se sabe…

Enquanto me dedico a esses “domestic affairs”, minha cabeça vai remexendo nas lembranças. Vêm-me à memória pessoas e momentos. Lembro-me de amigos de outrora que o tempo levou. Uns de forma definitiva, outros, porque nos perdemos por qualquer motivo banal. Vou retrocedendo e chego até os meus dezoito anos.

Nessa época, eu era um jovem cheio de vitalidade. Ansiava por viver tudo intensamente e tinha milhões de projetos para o futuro. Eu andava sempre a flor da pele, experimentando todos os sabores, de forma, às vezes, inconsequente. Queria abraçar o mundo com as mãos e tomar conta de tudo. Eu tinha a impressão de que tudo me pertencia. A sensação de que nada era impossível. Ah! Esses foram, sem dúvida, bons tempos.

Naquela época não havia redes sociais. As amizades eram mantidas ao vivo e em cores. Se você não as alimentasse, corria o risco de perdê-las. Daí, havia mais encontros, mais momentos, mais projetos coletivos. Fazíamos fotografias e não imagens pelo celular. Se, por um motivo qualquer, estivéssemos longe ou precisássemos nos afastar por um tempo, havia as cartas e os cartões-postais. Dedicávamos mais tempo à família e aos amigos. Tínhamos mais tempo para, simplesmente, escrever…

Era um tempo em que eu buscava, também, viver um grande amor. Era meu maior desejo e, acredite, ainda hoje ele se mantém. Ainda hoje estou a procurar, aqui ou acolá, esse tal grande amor. Não sei se ele existe para mim, porém, eu continuo na busca incessante. Lá na juventude, sem muita sofrência. Hoje, agora que o tempo marcou-me a face, com alguma dor pelos sentimentos que não vingaram.

Entre cartas e postais daquela época apareceu você. Alguém que deixou, numa revista, um anúncio onde dizia buscar por alguém especial. Eu embarquei nessa e te mandei algumas cartas. Ficamos um tempo assim, trocando correspondências. Trocamos fotos e percebemos desejos em comum. Até que decidimos arriscar um encontro. Quem sabe não seria a nossa hora…

Houve o primeiro encontro e depois outros. Trocamos afetos, anseios, sonhos e eu me apaixonei pela primeira vez. Nossa! Um turbilhão de novos sentimentos nunca antes experimentados. A sensação de que nada era mais importante do que estarmos ali, colados um no outro. Pelo menos para mim foi assim.

Depois de algum tempo, você mudou de direção e deu de encontro comigo. Deixei de ser seu objeto de desejo e passei a ser seu desafeto. Nada mais aconteceu. Fechamos a cortina. Terminou o ato.

Ah! Essas voltas que a vida dá.

Peluro
Enviado por Peluro em 12/12/2018
Reeditado em 12/12/2018
Código do texto: T6524930
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