Carvão

No início, enquanto brincamos, jogamos, corremos e pulamos, sem medo de nos machucar, com nossos sonhos abrindo portas que sequer vimos. Quando corríamos as pressas às 6h da manhã, todo dia, do quarto para a sala, sem sequer escovar os dentes, para assistir aos nossos desenhos favoritos, pois nossas preocupações, assim como nós, são pequenas e ainda não nos assustam.

Quando a escola ainda era divertida, quando a matemática, mesmo difícil e a história sem sentido para nós, crianças que éramos, contávamos com o recreio, onde fugíamos das regras da sala de aula ao mesmo tempo em que fugíamos de outras crianças em brincadeiras que só faziam sentido em nossas cabeças e a qualquer um que olhasse de fora pareceria estranho.

Nossos olhos nos enganavam nos mostravam um mundo a brilhar, e ocultavam o fato de que o brilho real partia de nós, em nossas falsas guerras, em nossas aventuras e desventuras diárias. Carregávamos a chama da inocência a todos os lugares em que nossos pés tocavam, ela iluminava cada canto escuro e queimava cada obstáculo que nos impedia de seguir adiante, quando crescemos, a chama enfraquece, e por ventura, morre.

Nossa rebeldia adolescente, nada mais é do que a fúria pela nossa inocência roubada, quando o vento começa a soprar mais forte e levar embora, pouco a pouco, a nossa chama. E o vento segue nos roubando, até que sobre apenas uma pilha de carvões em brasa de nossa maturidade, nos tornamos sérios, paramos de iluminar os caminhos e batemos em cada obstáculo, pisamos em cada pedra que encontramos. Perdemos o entendimento infantil sobre tudo, as coisas já não nos parecem simples.

Não brincamos mais e se corremos é para pegar o ônibus, pois estamos atrasados; se pulamos uma careta de dor se estampa em nossos rostos, pois nossos ossos doem. E de nossa infância e inocência só ficam as memórias e as poucas vezes em que brincamos com nossos filhos, coisa que fazemos sabendo que teremos que procurar e guardar cada brinquedo quando eles se cansarem.

Quando envelhecemos, tudo o que terá restado será um carvão, negro como a noite, as cinzas terão sido levadas pelas tempestades que chegaram e se aninharam em nossas peles. Do que já fomos sobrarão às histórias que contaremos aos nossos netos e com elas alimentaremos as chamas em seus corações, enquanto eles, aninhados em nossos colos, procurarão pelo nosso carvão e o farão voltar a brilhar, devolvendo a nós um último resquício do que já tivemos enquanto crianças, enquanto inocentes, quando o vento ainda servia como impulso para levar aos céus nossas pipas.

Estes seremos nós enquanto avós “babões”, este fui eu em meu início e este sou eu agora, ainda lutando para manter as brasas longe do tornado que se aproxima, jogando estas páginas sobre elas para tentar reacender o fogo que aqui brilhava.